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Estudo considera soja brasileira como exemplo no uso de biofertilizantes

Os biofertilizantes são aplicados em cerca de 80% da área plantada com soja no Brasil. Essa técnica de manejo, com a substituição do adubo químico, reduz impactos ambientais e econômicos, ao que os cientistas chamam de microbioma.

A estratégia consiste no efeito conjunto de fungos, bactérias e outros microrganismos em prover os nutrientes necessários às plantas, garantindo maior produtividade nas lavouras.

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O sucesso desse tipo de técnica foi destacado em artigo publicado na revista Frontiers in Microbiology sobre o impacto da pesquisa em microbioma nos diferentes setores da economia, como a agricultura, em produtos fermentados e na saúde humana.

A iniciativa faz parte do MicrobiomeSupport, programa patrocinado pelo Horizon 2020 da União Europeia que envolve pesquisadores e empresas de 28 países, entre eles o Genomics for Climate Change Research Center (GCCRC), um dos Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE) apoiados pela Fapesp em parceria com a Embrapa.

“O Brasil é um dos poucos países do mundo a obter sucesso na utilização de biofertilizantes na soja. O país é o maior produtor e exportador da commodity e, atualmente, 80% da área plantada de soja utiliza microrganismos para fixar o nitrogênio. Isso tem um impacto ambiental positivo muito grande”, afirma Rafael de Souza, pesquisador associado do GCCRC e um dos autores do artigo.

Segundo ele, estima-se que 430 milhões de toneladas de CO2 equivalente não sejam lançados na atmosfera por conta do uso das bactérias fixadoras de nitrogênio. “Há ainda a proteção de mananciais, pois o nitrogênio químico tende a contaminar os rios”, completa.

Na parte econômica, o impacto do uso de microrganismos do solo também é grande. “A guerra na Ucrânia mostrou a forte dependência que temos pela importação de fertilizantes químicos”.

“O Brasil importa aproximadamente 77% do fertilizante nitrogenado utilizado nas culturas agrícolas. A soja é a única exceção. Ela não depende dessa importação justamente por conta dos fixadores biológicos de nitrogênio, o que gera uma economia de aproximadamente US$ 10 bilhões em fertilizante nitrogenado” afirma o pesquisador.

De acordo com o consultor da Associação Nacional dos Produtores e Importadores de Inoculantes (ANPII) e coautor do estudo, Solon Cordeiro de Araujo, os biofertilizantes trazem uma economia enorme para o agricultor. Isso porque, enquanto o fertilizante químico custa em torno de R$ 1.000,00 por hectare, o inoculante (produto que leva o microrganismo) custa menos de R$ 50,00 por hectare.

“O trabalho realizado no caso da soja foi selecionar determinadas bactérias, isolá-las e aplicá-las na lavoura, de modo a incrementar a quantidade desses microrganismos benéficos no solo. Com isso, as bactérias substituem o fertilizante nitrogenado. Portanto, em vez de fornecer via produto sintético [químico], os agricultores utilizam o biofertilizante, denominado inoculante, que aproveita o nitrogênio do ar e fornece o nutriente diretamente para a planta”, explica Araujo.

Expansão dos biofertilizantes

O impacto é particularmente importante, considerando que o Brasil é o maior produtor e exportador de soja do mundo, com mais de 40 milhões de hectares plantados.

Ao destacar os resultados econômicos e ambientais gerados a partir da pesquisa em microbioma no Brasil, os autores do artigo também pretendem estimular que outras culturas agrícolas do país adotem o uso dos biofertilizantes, assim como também mais pesquisa seja realizada para a substituição de outros adubos químicos por microrganismos.

Isso porque a planta necessita principalmente de três linhas de adubo para se desenvolver: o nitrogênio, o fósforo e o potássio. No caso da soja, apenas o nitrogênio é fornecido como biofertilizante, os outros dois nutrientes são utilizados na forma de adubo químico. Nas outras culturas, como milho, feijão e arroz, por exemplo, geralmente utiliza-se adubação química para os três nutrientes.

Atuação tripla

Os biofertilizantes de nitrogênio vêm sendo desenvolvidos no Brasil desde que se introduziu a soja, ainda na década de 1960. “O Brasil optou por essa linha, de desenvolver e aperfeiçoar a bactéria e os produtos à base de bactéria, para que pudesse substituir o nitrogênio químico”, diz Araujo.

De acordo com o artigo, foi o trabalho conjunto de três setores que permitiu a substituição do nitrogênio químico pelo microbioma nas lavouras de soja. “Isso é resultado do trabalho de três setores. Primeiro, a pesquisa, com a academia, a Embrapa e as universidades, trouxe a tecnologia necessária para o país; o regulatório, ou seja, o legislativo permitiu a regulamentação desses produtos; e também a indústria, na adoção e comercialização”, diz Souza.

A pesquisa com microrganismos está presente desde a implantação da soja no país. No entanto, houve um maior crescimento no número de artigos e produtos nos últimos dez anos em decorrência das ferramentas de sequenciamento genético mais acessíveis.

“O caso da soja brasileira é importante também para abrir portas para que outros produtos ganhem mercado e outras culturas agrícolas passem a utilizar biofertilizantes”, diz Souza.

Modelo para outras culturas

A expectativa é o crescimento do desenvolvimento de tecnologias baseadas em microbioma no país. Além dos avanços na pesquisa, que permitem selecionar melhor os microrganismos e produzir inoculantes mais potentes, os pesquisadores destacam outra série de fatores que devem contribuir para seu uso em diferentes culturas.

“Fala-se em tempestade perfeita para o impulsionamento do uso de biofertilizantes no Brasil. Hoje temos uma variedade grande de startups e centros de pesquisa interessados em desenvolver novos produtos em microbioma para diferentes culturas agrícolas”, considera Souza.

Para ele, os números de economia e proteção ambiental são consideráveis. “Fora isso, ficou clara a necessidade de maior autonomia frente aos fertilizantes químicos, pois eles são, em sua maioria, importados. Com isso, o caso da soja brasileira pode ser um impulsionador para que se avance ainda mais no uso de biofertilizantes no país”, afirma.

O artigo pode ser lido na íntegra aqui:

https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmicb.2022.834622/full