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Acidente da TAM em Congonhas completa 15 anos: veja o que mudou na aviação brasileira

Há exatos 15 anos, um Airbus A320 da TAM saído de Porto Alegre não conseguiu pousar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e se chocou contra um prédio da própria companhia, deixando 199 mortos (sendo 187 no avião e 12 em solo). O acidente se tornou o maior da aviação comercial regular brasileira.

A tragédia de 2007 teve grande repercussão nacional e internacional. Na época, o Brasil, que seria escolhido poucos meses depois como sede da Copa do Mundo de 2014, atravessava o chamado “caos aéreo” – uma série de problemas que o setor da aviação civil enfrentou desde o ano anterior, quando um Boeing 737 da Gol se chocou com um jato Legacy e caiu na floresta amazônica, deixando 154 mortos.

As ocorrências provocaram uma série de revisões nos procedimentos da aviação comercial brasileira, que, apesar dos acidentes em 2006 e 2007, era considerada uma das mais seguras do mundo. Segundo autoridades e especialistas ouvidos pela CNN, entre as principais mudanças estão melhorias na tecnologia, na infraestrutura aeroportuária e nos treinamentos das tripulações.

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Desde então, o Brasil teve outros acidentes aéreos, mas nenhuma tragédia de grandes proporções com vítimas fatais na categoria da aviação comercial regular, na qual as companhias comercializam passagens e possuem linhas pré-estabelecidas e com operação constante.

Segundo Roberto Peterka, especialista em segurança de voo, as mudanças realizadas não levam em conta apenas um acidente, mas uma série de ocorrências, inclusive em outros países.

“A investigação conduzida pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos [Cenipa] não vai buscar culpados. Ela vai buscar elementos para atuar na prevenção”, diz. As conclusões sobre as causas são divulgadas aos pilotos e às empresas, para que aprendam com eventuais erros e atuem na prevenção.

Segundo o Comando da Aeronáutica, da Força Aérea Brasileira (FAB), “as empresas de transporte aéreo regular estão acompanhando de forma mais criteriosa o desempenho de tripulantes”. “Adicionalmente, os processos de controle dos registros de manutenção das companhias aéreas foram revisados”, afirma.

Outros pontos ressaltados pela FAB são a intensificação do uso de sistemas de treinamento com computador para a capacitação teórica e para verificação da proficiência dos tripulantes, assim como em processos de gerenciamento de segurança.

Peterka ressalta que, atualmente, os pilotos estão mais preparados e acostumados a lidar com a tecnologia. “Até pela própria tecnologia global, os comandantes têm mais facilidade e melhor aprendizado”, pontua.

Adalberto Febeliano, professor e especialista em aviação civil, destaca o amadurecimento e o fortalecimento do corpo técnico da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) como um dos fatores positivos para a segurança do ambiente da aviação. Além disso, afirma que houve melhoria da infraestrutura aeroportuária e da infraestrutura de controle de tráfego aéreo.

“Muitas lições foram aprendidas. A aviação brasileira já tinha bons índices de segurança, mas muitas lições foram aprendidas”, pontua.

Mudanças feitas pela Latam

Em nota, a Latam – nome pelo qual a TAM passou a ser chamada em 2016 após a fusão com a chilena LAN – explica que é utilizado atualmente o Electronic Flight Bag (EFB), uma ferramenta que substituiu os manuais de consulta dos pilotos na cabine e que pode ser usada para cálculo de performance de decolagem e pouso das aeronaves.

“Além disso, os pilotos possuem um programa de treinamento em simuladores para estarem preparados para as situações que raramente acontecem em voo, justamente para que estejam treinados a agir em tais situações com rapidez, precisão e segurança”, destaca a empresa.

“Por isso, no treinamento anual, além de diversas outras situações, a Latam tem também a simulação de falha de reversor, treinamento de pouso com falha de reversor em Congonhas com pista molhada e treinamento de Reject Landing, manobra onde o piloto pousa e tem que executar uma arremetida após o toque na pista”, complementa.

O acidente

O Airbus A320, de matrícula PP-MBK, decolou às 17h19 de 17 de julho de 2007 do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. Às 18h54, o avião aportava no aeroporto de Congonhas, na zona sul da capital paulista.

A aeronave tinha 187 pessoas a bordo, sendo 181 passageiros (dois eram crianças de colo) e seis tripulantes em serviço.

As condições meteorológicas naquele dia eram adversas, com tempo chuvoso. No deslocamento entre as duas capitais, houve desvios de rota, mas, até então, o voo acontecia com normalidade. Em Congonhas, outros pilotos já haviam relatado que a pista 35L estava molhada e escorregadia.

Um dos reversores do PP-MBK estava inoperante. Esse mecanismo ajuda na frenagem do avião, mas, via de regra, não é obrigatório que esteja em operação. O especialista Roberto Peterka explica que esse sistema fica posicionado na parte interna do motor. Quando acionado, empurra o ar para frente, contribuindo para diminuir a velocidade na pista.

Após o toque em solo, a manete de aceleração de um dos motores estava em posição de reverso. A manete do outro motor estava na posição “climb” (em português, subida) – que, normalmente, deve ser usada após a decolagem, até atingir o nível de cruzeiro.

Com um dos motores acelerados, os chamados ground spoilers não foram acionados, o que também comprometeu a frenagem. Esses sistemas são superfícies aerodinâmicas localizadas nas asas, cuja função é diminuir a velocidade e reduzir a sustentação sobre as asas após o pouso.

Com um dos motores acelerando e o outro reduzindo, o avião foi direcionado para a esquerda. O Airbus foi em direção à lateral esquerda da pista, saiu do aeroporto e atravessou a avenida Washington Luís. Na sequência, bateu no prédio da TAM Express, empresa de cargas da própria companhia.

O edifício sofreu danos estruturais, que posteriormente determinaram sua demolição. Um posto de combustíveis que ficava ao lado também foi atingido, tendo sua loja de conveniência e alguns veículos que estavam estacionados destruídos.

Condições da aeronave

Segundo relatório do Cenipa, o órgão de investigações do Comando da Aeronáutica, o reversor do motor número 2 foi desativado pela manutenção no dia 13 de julho de 2007 devido a um vazamento no atuador interior.

A aeronave foi liberada conforme procedimento do Minimum Equipment List (MEL, Lista de Equipamento Mínimo, em português), que permitia sua operação sem nenhum reversor ativo. A exceção seria para o aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, em que todos os reversores devem estar em funcionamento.

Foram realizadas análises no gravador de voz do cockpit (CVR, em inglês) e no registro de dados do voo (FDR), no Conselho Nacional de Segurança no Transporte (NTSB, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.

O CVR ultrapassou o limite de temperatura pela exposição ao fogo no momento do acidente, mas, mesmo assim, todo conteúdo conseguiu ser recuperado.

O projeto da Airbus prevê que um aviso sonoro seja dado para lembrar os pilotos de que ambas as manetes devem ser colocadas em “Idle” (o que seria equivalente ao ponto morto dos automóveis) na descida à pista.

O aviso soou por três vezes na cabine antes de o trem de pouso tocar o solo. Três segundos após o trem de pouso do nariz tocar a pista, ocorreu um desvio para a lateral, sendo a primeira manifestação do piloto de uma situação anormal.

A manete de potência do primeiro motor, que estava na posição “Idle”, de parada, após o toque, foi colocado em “REV”, de reverso. Já no segundo motor não foi registrada nenhuma movimentação, permanecendo na posição “CL”, de climb (subida).

O aviso de “retard” (retardar) soou quando foi acionada a posição “Idle” na manete durante a aproximação para o pouso. Mas quando foi colocada em “reverse” e a outra ainda estava em “climb”, o som foi desativado pelo sistema.

A velocidade do avião foi de 142 nós (262 km/h) ao toque e de 96 nós (177 km/h) no impacto com o prédio.

A FAB ressaltou que houve “aperfeiçoamento do sistema de aviso ‘retard’ da aeronave A320, de modo a evitar uma incorreta interpretação desse alarme durante o pouso”, evitando, assim, que as manetes de aceleração fiquem em posições incorretas.

Situação em Congonhas

A pista do aeroporto de Congonhas era alvo de críticas de pilotos antes do acidente, principalmente durante a operação com chuva. O principal risco apontado era o de hidroplanagem.

A hidroplanagem acontece quando a água penetra entre o pneu do trem de pouso do avião e o solo. A ação resulta na formação de uma pressão que aumenta a área do pneu que fica sem contato com a pista.

Em novembro de 2005, a pista passou por uma reforma, que substituiu o grooving, ranhuras de aproximadamente 6 milímetros que ajudam no escoamento da água, por um pavimento rugoso.

Conforme explicação da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), a medida aconteceu para reestabelecer os níveis de atrito nos trechos mais críticos da pista, garantindo segurança operacional nos períodos mais chuvosos, devido às críticas antes recebidas.

A obra seria de caráter provisório até que se encontrasse uma solução definitiva, em que seria recuperado todo o pavimento, corrigindo os declives existentes. Foi colocada uma nova camada de asfalto na cabeceira das pistas, em 600 metros da 17L e 300 metros da 35L.

Mesmo com ensaios técnicos em laboratórios, os problemas voltaram meses depois. Dois pontos foram levantados: a falta de conservação das características originais do pavimento e a continuidade dos problemas de declive, que impediam a efetividade no escoamento da água durante os fortes temporais.

Em 2006, foram feitos diversos avisos pelos pilotos, que alertavam sobre como a pista ficava escorregadia em dias chuvosos, situação causada pelo baixo atrito e rugosidade do asfalto.

Representantes da Anac, do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) e da Infraero se reuniram, em abril de 2006, para identificar medidas para mitigar os problemas enfrentados.

Desde então, as autoridades responsáveis já consideravam a necessidade das aeronaves contarem com todos os reversores disponíveis para operação em Congonhas com pista molhada.

Do encontro entre os órgãos de aviação, surgiu a medição semanal do atrito da superfície da pista, que revelou uma grande deficiência no primeiro terço das cabeceiras por uma grande quantidade de borracha no piso, material resultante dos pneus das aeronaves.

Entre outubro e novembro de 2006 foi realizado, em caráter emergencial, um serviço de retexturização na pista. É um procedimento abrasivo, com o lançamento de granalhas de aço em alta pressão em 54 mil m² de área. Depois da ação, o atrito voltou a estar acima do mínimo estabelecido.

Entretanto, o pavimento continuava apresentando acúmulo de água, causado pela irregularidade de sua superfície. Pelos problemas apresentados, uma nova reunião entre a Anac, Infraero, Decea, dos representantes de Congonhas e do Serviço Regional de Proteção ao Vôo de São Paulo (SRPV-SP) foi marcada na sede do Cenipa, em dezembro de 2006.

No encontro, a Anac apresentou a minuta de Informação Suplementar de RBHA (IS-RBHA) 121-189, com instruções para operação em pista molhada. O documento jamais foi aprovado pela agência, mas foi publicado em seu site no começo de 2007 e retirado do ar algumas semanas depois.

No primeiro semestre de 2007, as pistas de Congonhas passaram por obras de reparação, a principal, a partir de 14 de maio. Entretanto, quando entregue em 29 de junho, não foi realizada a implantação do grooving, como planejado inicialmente.

Conforme o análise do Cenipa, a Anac não realizou inspeção nas obras, conforme previsto. O plano Plano Operacional de Obras e Serviços (Poos) também não foi submetido à agência.

Desde a volta das operações, não foram registradas precipitações. Entretanto, o panorama mudou em 15 de julho, com fortes temporais, em que começaram os alertas das tripulações. Por serem concentrados apenas pela manhã, não foi vista a necessidade de interromper a operação.

Já no dia 16, voltaram a acontecer diversos reportes por pista escorregadia e um acidente. Um ATR-42-330 da extinta Pantanal Linhas Aéreas derrapou da pista por hidroplanagem. Ninguém se feriu.

Com os acontecimentos, o controle de tráfego aéreo suspendeu as operações e fez o acionamento da Infraero para verificar a pista.

No dia 17, houve a suspensão dos trabalhos às 17h07, pelas mesmas causas do dia anterior: pista molhada com escoamento d’água e sem formação de poças, após um reporte às 17h04 de uma aeronave da Gol.

A liberação aconteceu às 17h20, após avaliação de um fiscal de pátio da Infraero, que informou a ausência de poças d’água no pavimento.

Deste momento até o acidente, às 18h48, foram realizados 25 pousos na pista 35L, e em nenhum deles houve reclamação.

Em reunião realizada no Cenipa em outubro de 2007, análises realizadas pela Airbus a partir do gravador digital de dados de voo mostraram que a falta de desaceleração aconteceu pela ausência de marcações laterais da pista. Não foram encontradas evidências de hidroplanagem.

A FAB pontuou que, atualmente, “os testes de medição de atrito e de textura superficial de pavimentos de pistas de pouso passaram a ter controle mais criteriosos por parte dos operadores de aeródromos”.

Veja a matéria completa aqui:

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/acidente-da-tam-em-congonhas-completa-15-anos-veja-o-que-mudou-na-aviacao-brasileira/