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Por que o pai de Tutancâmon foi tão odiado que o jovem faraó teve que mudar de nome - BBC News Brasil
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Por que o pai de Tutancâmon foi tão odiado que o jovem faraó teve que mudar de nome - BBC News Brasil

Este é um dos capítulos mais dramáticos do Antigo Egito, a única tentativa de adorar um só deus.

Conhecimento

Os nomes de alguns faraós do Egito Antigo chegaram até os nossos dias graças às pirâmides — como Quéops — ou às suas estátuas — como Ramsés.

Já outros nos chegaram graças aos seus túmulos suntuosos. Um deles é Tutancâmon.

A descoberta da tumba de Tutancâmon em Luxor, 100 anos atrás, é um dos feitos mais celebrados da arqueologia moderna. Afinal, foi o primeiro túmulo real encontrado intacto no Egito das pirâmides, estátuas e faraós.

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A frase "por toda parte, o brilho do ouro" — do egiptólogo britânico Howard Carter, quando viu pela primeira vez o interior da câmara mortuária que ele havia ajudado a encontrar — é o melhor resumo das descobertas maravilhosas que hoje são exibidas em diversos museus pelo mundo.

Mas Tutancâmon, o menino rei que governou o Egito no século 14 a.C., não recebeu este nome ao nascer. A princípio, ele se chamava Tutancáton. E a mudança de sufixo reflete um dos momentos mais críticos e contrarrevolucionários da história do Egito Antigo.

O faraó Aquenáton (antecessor de Tutancâmon) havia desafiado todo o sistema religioso egípcio, adotado há 1,5 mil anos, levando a nação à beira do abismo. Ele e sua esposa Nefertiti tentaram ser monoteístas.

Heresia

A ideia de Aquenáton era dramática e revolucionária. Pela primeira vez na história, um faraó quis substituir o panteão dos deuses egípcios por um deus único, o criador de tudo, o disco solar que cruza os céus todos os dias: Aton.

Aquenáton foi o décimo faraó da 18ª dinastia do Egito. Seu reinado começou em cerca de 1353 a.C.

Seu nome também havia sido modificado. Ele foi coroado como Amenófis 4°, que significa "Amon está contente".

O reinado do seu pai, Amenófis 3°, havia culminado com uma série de magníficos desfiles celebrados em Tebas (atual Luxor), a capital religiosa do Egito na época e lar do deus oficial do Estado, Amon-Rá.

Mas, em muito pouco tempo, Amon deixaria de estar contente.

A proposta do faraó seguidor do disco solar era pura heresia. Mas ele era um faraó, um deus vivo, e podia mudar tudo: a religião, a política, a arte e até a linguagem.

E assim o fez. Aquenáton decretou que os 2 mil deuses tradicionais que haviam protegido o Egito por mais de mil anos fossem relegados às sombras.

É difícil imaginar o que sentiram os egípcios comuns. O monoteísmo deixou de ser algo inconcebível. Os deuses com formas animais e humanas foram substituídos pelo sol que iluminava o rei com seus raios.

E, para os sacerdotes tradicionais, que haviam dedicado toda a vida aos deuses antigos e eram extremamente poderosos até então, foi uma catástrofe. Eles praticamente governavam o país e, de uma hora para outra, ficaram sem função.

Foi ali que Aquenáton começou a adquirir inimigos perigosos. E o anúncio seguinte do casal real foi igualmente surpreendente.

O faraó e sua mulher deixariam a antiga cidade sagrada de Tebas, coração da nação, dirigindo-se ao norte pelo rio Nilo, em busca de uma nova utopia.

A nova capital

Era o quinto ano do seu reinado e Aquenáton concedeu a Nefertiti o título de Grande Esposa Real, com igualdade de poderes. Ele claramente queria romper com o passado.

Juntos, eles viajaram por cerca de 320 km até que chegaram ao local que hoje se chama Amarna. Lá, eles construíram uma cidade a que deram o nome de Aquetáton, que significa "Horizonte de Aton".

Em uma rocha que ainda se encontra em uma das colinas, existe uma proclamação pública composta por Aquenáton, explicando a razão que o levou a escolher exatamente aquele lugar. Segundo ele, o grande deus sol disse: "construam aqui", por meio de um sinal.

O local é rodeado de colinas e, em certos momentos do ano, o sol passa por uma fenda, criando a forma do hieróglifo que representa o horizonte.

O faraó então interpretou que Aton estava indicando a ele onde deveria ser construída sua cidade sagrada. E assim o fez, em velocidade vertiginosa.

Milhares de pessoas da longínqua Tebas foram trazidas para construir, ornamentar e administrar a nova capital, onde chegaram a viver até 50 mil pessoas. Eles escavaram poços, plantaram árvores e jardins. O árido deserto floresceu.

Eles construíram casas e palácios lindamente decorados, bem como templos dedicados ao deus único. Foi assim que a visão de Aquenáton de uma utopia religiosa foi se tornando realidade.

Revolução artística

Amarna tornou-se o novo centro político e religioso do Egito e a base de um novo culto.

Não só a capital e a religião se modificaram. Sua revolução trouxe outras novidades que podemos observar ainda hoje, milhares de anos depois.

Gravuras detalhadas encontradas em Amarna revelam como vivia a família real. As imagens mostram Aquenáton e Nefertiti abraçando suas filhas. Até então, nenhuma família real egípcia havia sido retratada demonstrando afeto.

Em comparação com a arte egípcia anterior, com suas características estáticas e monumentais como se fosse projetada para durar pela eternidade, estas representações são espontâneas e cheias de vida.

E não foi só isso. A fisionomia de Aquenáton é totalmente diferente dos faraós que vieram antes e depois dele.

Normalmente, os faraós eram representados de forma que ficassem convencionalmente com boa aparência, fortes e varonis. Mas Aquenáton tem um rosto alongado e nariz comprido, apontado para sua barba pontiaguda.

Seus lábios carnudos incomuns refletem a sensualidade feminina das suas cadeiras largas, enquanto sua barriga pouco atraente cai sobre o cinturão. É uma obra de arte sagrada surpreendentemente expressionista.

Perseguição religiosa

Aquenáton conseguiu estabelecer a nova cidade, um paraíso religioso no deserto. Até que tudo começou a desmoronar.

Na verdade, seus súditos, incluindo os que moravam na sua cidade, não haviam abandonado os outros deuses e o faraó ficou sabendo da traição. Ele mandou buscar todas as imagens dos deuses antigos e destruí-las, especialmente as do rei dos reis, Amon-Rá.

O faraó se tornou intolerante. Ele mandou seus soldados apagarem a memória dos deuses em todas as suas terras. E, no final do seu reinado, sua revolução fracassou.

Como ele se recusava a sair da sua amada cidade, Aquenáton era considerado fraco e o país ficou vulnerável a invasões.

Placas de argila encontradas em Amarna revelam a natureza do problema. Uma dessas placas é do governante de um dos países vizinhos protegidos por Aquenáton. Ele pede ao faraó que envie tropas para ajudá-lo a controlar os hititas, arqui-inimigos do Egito.

"Eu pedi, mas ele não me respondeu. Não me mandou a ajuda de que preciso", queixa-se o governante desesperado. Seu pedido foi em vão. Aquenáton nunca enviou a ajuda e o Estado caiu nas mãos dos hititas.

O exército egípcio estava muito ocupado perseguindo deuses, enquanto o país perdia territórios, poder, posses e seu status no mundo. A situação era muito grave. Foi quando Aquenáton sofreu tragédias pessoais.

Peste e morte

O drama familiar está registrado nas paredes da tumba de Aquenáton. Embora elas estejam muito danificadas, pode-se ver uma cena de luto.

Aquenáton teve seis filhas com Nefertiti. Uma das princesas morreu e seus pais aparecem chorando. Trata-se de algo sem precedentes: as famílias reais egípcias nunca demonstravam emoções publicamente.

Existem também evidências de que Aquenáton perdeu mais de uma filha. Elas provavelmente foram vítimas da peste que assolava o país naquela época.

Uma epidemia deste tipo podia matar 40% da população. E, por ser o faraó, Aquenáton foi considerado pessoalmente responsável pela desgraça. Para seus súditos, era óbvio que a catástrofe ocorreu porque ele havia ofendido os antigos deuses.

Quando parecia que a situação não poderia piorar, Aquenáton perdeu a mulher que o acompanhou desde o princípio: a rainha Nefertiti.

O paraíso de Aquenáton estava à beira do colapso. Para seus assessores e cortesãos, era certamente uma situação perigosa. O país estava perdendo sua riqueza e poder.

Aquenáton morreu 13 anos depois da fundação da sua cidade. Há quem acredite que ele tenha sido assassinado para que seu reinado terminasse.

A cidade foi abandonada e sistematicamente destruída, apagada da memória, junto com o culto a Aton e com o próprio Aquenáton. Por muito tempo, ele foi recordado apenas por ser, provavelmente, o pai de Tutancáton, que teria sido filho de outra de suas esposas, a enigmática Kiya.

Restauração

A Enciclopédia Britânica indica que a paternidade de Tutancáton é incerta, embora um documento encontrado em Aquetáton "o indique como filho do rei em um contexto similar ao das princesas de Aquenáton".

O que sabemos com certeza é que o jovem faraó casou-se com a terceira filha do seu antecessor. E, no terceiro ano do seu reinado, ele deixou a nova capital e transferiu a sede do poder para Mênfis, perto da atual capital egípcia, a cidade do Cairo.

O faraó resgatou os antigos deuses e restaurou o poder e a prosperidade do Egito, mas com o nome de Tutancâmon. Assim, Amon regressava e Aton ia embora, como o disco solar no momento do poente.

Os sacerdotes regressaram mais poderosos do que nunca e a vida voltou à normalidade.

Nenhum faraó egípcio voltou a tentar mudar a ordem estabelecida ou desafiar os deuses. Os reis que vieram depois de Aquenáton esforçaram-se para destruir todos os rastros dele e do seu culto herege.

As estátuas de Aquenáton foram derrubadas e, para destruir seu significado, as pedras dos seus templos foram usadas como material de construção para outras edificações.

Essas rochas talhadas ficaram ocultas, para que ninguém voltasse a vê-las. A ironia é que este procedimento as preservou para a posteridade. Na década de 1920, elas começaram a emergir e muito do que sabemos de Aquenáton e do culto a Aton vem dessas pedras.

Tutancâmon morreu inesperadamente com 19 anos de idade.