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Opinião

Uma aventura em Paris

Por Angela Rocha - Jornalista e escritora.

Entrei no Taxi sozinha. Entreguei ao motorista um pequeno papel com um endereço conseguido na internet. Percebi uma leve hesitação nele ao olhar minha anotação. Em seguida, colocou os dados no GPS, esperou surgir a imagem na tela, falou algo em francês que não consegui traduzir e repetiu 3 vezes a expressão “très loin”, que acompanhada de um gesto com as mãos me deu a certeza de ter entendido: muito longe.

Eram dez horas da manhã de um 31 de dezembro. Enquanto meu marido, meu filho e um casal de amigos se deslocavam para ver um velho conhecido meu -o Museu do Louvre -eu seguia na minha missão de desbravar o território e fazer umas compras numa linda loja de rua que descobri fuçando sites de viajantes na cidade luz.

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Mas esses sites – aprendi e, agora, posso alertar - às vezes são antigos e ultrapassados. Descobri isto na prática, depois de quase uma hora rodando dentro de um taxi e vendo o taxímetro girar; em euro! Quando, finalmente, o carro parou e o motorista me apontou para o meu endereço, percebi a roubada: era uma casa velha e abandonada.

Qualquer pessoa normal nem saltaria e pediria para voltar correndo para o hotel. Mas eu olhei a rua, achei bucólica, vi uma espécie de livraria/papelaria mais adiante. Encantei-me. Nem pestanejei: paguei e saltei. Foi um acerto. Entrei e adorei; comprei dois livros de artes lindos que tenho até hoje como troféu daquela viagem. Fiquei feliz. Afinal não tinha sido tão ruim assim.

Me empoderei. Estava tudo certo e tranquilo. Mas, na dúvida, resolvi perguntar à vendedora sobre a minha vontade de descer ao restante da rua para conhecer melhor a região. Ela me dissuadiu da ideia com a frase:

- “No. Is very dangerous.”

Assustei-me. Resolvi voltar para a rua principal e pegar um carro de volta. Fazia muito frio. Muito mesmo. Usava um longo casaco, uma touca, bota e cachecol. Mesmo assim o frio e o vento faziam doer meus ossos. Passou o primeiro táxi vazio, fiz sinal, não parou. Passou o segundo, o terceiro... Quando já estava pensando em sentar no meio fio para chorar, avistei um motorista do outro lado da rua me fazendo sinal para esperar. Meu coração voltou a bater.

Ele foi até o final da rua, manobrou e voltou pelo lado que eu estava; parou e entrei. Logo de cara descobrimos algo em comum: o idioma. O Português. O meu, do Brasil. O dele, de Portugal. Perguntei intrigada porque os táxis não paravam e ele me explicou que eu estava em um bairro decadente do subúrbio de Paris. Que já havia sido um local de artistas e intelectuais, mas agora era um local perigoso. Circulavam por ali compradores e vendedores de drogas. Muito bandido e uma polícia truculenta.

Socorro!... Que aventura eu vivi, pensei. Mas, na verdade, ela estava apenas começando.

A conversa fluía bem. Ele contou que tinha um irmão morando no Brasil, em São Paulo, e que já vivia em Paris havia quase dez anos, estava bem adaptado à cidade e não pretendia mais voltar para Lisboa. Perguntou sobre mim. Falei que era jornalista, casada, tinha três filhos e dois netos. (são cinco, agora)

-Netos? Perguntou espantado, enquanto voltava seus olhos curiosos para o banco de trás.

Sorri com certo constrangimento (na verdade, adorei). Aquele olhar de espanto já teria valido a viagem.

Mas o nosso passeio continuou; e ele começou a contar a sua vida: Viveu com duas jovens. A primeira por dois anos. Até que um dia ela resolveu ir à Portugal ver a família e não voltou. Com a segunda, ele contou, foi mais traumático. Depois de quase quatro anos, ela o largou para casar com um velho conhecido do casal. Confortei-o com aquelas frases comuns, do tipo: não era para ser... Melhor esquecer e seguir em frente...Reparei melhor nele. Era um rapaz bem afeiçoado, alto, forte e com seus 35 anos de idade.

A conversa estava tão boa que ele se ofereceu para me comprar o “melhor café de Paris”. Paramos. Ele saltou do carro, voltou com os cafés e ficamos ali parados por algum tempo conversando. Quando finalmente resolveu seguir viagem, me perguntou se eu não gostaria de passear um pouco mais. Diante da minha dúvida, desligou o taxímetro e falou:

- Estou adorando a conversa.(E eu estaria mentindo se dissesse que não estava também.)

E assim continuou a minha aventura pela cidade luz. Ele passeou comigo por vários lugares diferentes - desses que a gente não conhece com guias de viagem. Fomos até a loja de uma amiga dele que vendia coisas antigas lindas. Era uma jovem engraçada e muito curiosa em relação ao Brasil. A conversa fluía ótima.

Vi um grande relógio de parede e me dei conta de que já estava andando de carro havia quase três horas, batendo o maior papo com um homem que eu nunca vi na minha vida. Em uma cidade praticamente desconhecida.

- Vou te internar, disse minha amiga quando, mais tarde, me ligou e contei a aventura. E se fosse um psicopata ou um serial Killer?,perguntou aflita.

-Menos! Respondi rindo.

- Você ficou maluca! Disse o meu marido quando relatei a história.

- Gente, não aconteceu nada. Foi só um passeio. Um bom papo. Não fez mal a ninguém. Expliquei.

No final, insisti muito e consegui pagar, pelo menos, o mesmo valor da ida. Paguei. Despedimo-nos – e a porta aberta do táxi trouxe o vento gelado da rua,que me fez cair a ficha: foi uma aventura meio doida mesmo! Digna de uma crônica.

Mas a culpa é dela: Paris. Sempre ela.