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Internacional

Morte e sofrimento na fronteira entre Polônia e Belarus

O jovem Ahmad al-Hasan, de apenas 19 anos, foi enterrado em uma cerimônia silenciosa no vilarejo de Bohoniki, próximo do posto de fronteira polonês de Kuznica. Tártaros muçulmanos se estabeleceram na pequena localidade no século 17. Hoje, apenas um punhado deles ainda vive na região, mas a pequena comunidade se sentiu obrigada a enterrar Hasan como um dos seus.

"Ele era um ser humano, um muçulmano e ainda jovem", disse o prefeito Maciej Szczesnowicz, que acrescentou que o jovem merecia "um enterro digno". O túmulo de Hasan está agora no final do cemitério muçulmano de Bohoniki, a milhares de quilômetros de sua cidade natal, Homs, na Síria, que foi destruída na guerra civil. É um local solitário, com vista para uma alameda de bétulas e uma floresta semelhante àquela onde Hasan perdeu sua vida.

"É uma tragédia"

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O jovem sírio deixou um campo de refugiados na Jordânia porque, assim como muitos outros, tinha lido nas redes sociais que havia um caminho fácil para a União Europeia (UE) via Minsk. Ele queria continuar seus estudos, ter uma chance na vida.

Potências ocidentais acusam governo belarusso, comandado pelo líder autoritário Alexander Lukashenko, de espalhar desinformação e orquestrar uma crise, possivelmente com o apoio da Rússia, ao atrair migrantes para a fronteira, a fim de desestabilizar a UE. As acusações são rejeitadas pelos governos em Minsk e Moscou, aliado de Lukashenko.

Milhares de migrantes partiram para Belarus, principalmente das regiões curdas de Iraque, Síria e Afeganistão, e acabaram numa situação precária na fronteira com a Polônia. Organizações de ajuda humanitária afirmam que ao menos 13 migrantes morreram desde que a crise teve início, durante o verão no Hemisfério Norte.

Hasan e um curdo iraquiano morreram no final de outubro, quando os dois jovens tentaram cruzar o gélido rio Bug, que delimita parte da fronteira. Vários relatos sugerem que guardas belarussos têm repetidamente tentado forçar migrantes a cruzarem cercas, áreas de floresta e pântanos ao longo da fronteira de 400 quilômetros com a Polônia.

Na pequena mesquita de Bohoniki, a congregação fez algumas orações por Hasan em seu velório. Eugenia, moradora do vilarejo, disse estar desesperada com a situação de seus "irmãos de fé" na fronteira.

"É terrível assistir. Está frio. Eles estão morrendo de frio lá fora. É uma tragédia. É simplesmente trágico. Não consigo entender como pode-se permitir que algo assim aconteça", disse.

Nesta quarta-feira (17/011), Lukashenko afirmou, em telefonema com a chanceler federal alemã, Angela Merkel, estar disposto a negociar com a União Europeia para solucionar o impasse na fronteira.

No mesmo dia, guardas de fronteira poloneses afirmaram que centenas de refugiados foram retirados da área. A agência estatal belarussa Belta noticiou que eles foram levados para uma espécie de depósito aquecido a cerca de 500 metros da fronteira. A Polônia isolou a região e não permite o acesso de jornalistas.

Ainda nesta quinta-feira, o governo de Belarus afirmou os campos de migrantes construídos às pressas em sua fronteira com a Polônia foram esvaziados, indicando que o regime do país está disposto desescalar a crise.

A mídia estatal de Belarus relatou que o acampamento perto da cidade polonesa de Kuznica, onde as pessoas que tentavam cruzar a fronteira foram forçadas a voltar com o uso de gás lacrimogêneo e canhões d'água, foi esvaziado na manhã de quinta-feira. Tudo o que restou do campo de migrantes, apontou a mídia do país, foram "cabanas, restos de tendas, roupas abandonadas e fogueiras apagadas".

No mesmo dia, centenas de iraquianos voltaram para casa em um voo procedente de Belarus.

Ajudantes desamparados

Entre os residentes da região fronteiriça há muita vontade implícita de ajudar. Assim como em Bohoniki, roupas de inverno e alimentos são coletados em todas as localidades. Mas há apenas algumas dezenas de ajudantes de organizações não governamentais polonesas que trabalham disfarçadamente na área.

Eles não se atrevem a entrar na zona proibida, porque quem cair nas mãos da polícia fronteiriça será preso imediatamente. Em operações noturnas secretas, eles cuidam apenas de migrantes que podem transmitir seu paradeiro via celular e que já estão a quilômetros de distância da fronteira.

"A primeira coisa que os guardas fronteiriços fazem é tirar os telefones celulares dos migrantes", disse Agata Kolodziej, da organização de ajuda Ocalenie. Ela disse estar cansada e frustrada com seu trabalho porque as autoridades estão fazendo tudo o que podem para colocar obstáculos em seu caminho. "É muito comovente", disse Kolodziej, em referência ao fato de estar constantemente confrontada com o quão pouco podem ajudar.

"Às vezes, cuidamos de pessoas na floresta à noite, e quando mais tarde são encontradas por guardas fronteiriços acabam por ser levadas de volta para o lado belarusso. Encontramos refugiados que foram levados de volta até seis ou sete vezes e continuam tentando", afirmou Kolodziej.

Ela disse já ter visto como uma mulher chorando e com crianças pequenas foi conduzida de volta para a floresta do lado de Belarus. Os guardas fronteiriços não ficaram sensibilizados nem com um migrante com problemas cardíacos que foi trazido por ajudantes a um hospital local. "Na noite seguinte, recebemos uma mensagem de celular dele do outro lado", relatou Kolodziej. O esforço foi em vão.

"Todas as reconduções [à fronteira, conhecidas como pushbacks] são ilegais segundo a legislação internacional e da UE", enfatizou Kolodziej, mas o governo de Varsóvia emitiu recentemente um regulamento que as considera legais. E a União Europeia também não parece se importar com o fato de a lei ser violada dezenas de vezes por dia nessa fronteira.

Na noite de segunda para terça-feira, a polícia fronteiriça polonesa relatou cerca de 200 tentativas de travessia de migrantes e 29 das chamadas "repatriações do território polonês".

Propaganda contra os migrantes

Na imprensa polonesa, os migrantes são descritos como uma ameaça à segurança nacional, como violadores ilegais de fronteiras e refugiados econômicos que não são bem-vindos na Polônia ou na Europa.

A emissora pública de televisão TVP noticiou na terça-feira: "Imagens chocantes do acampamento de refugiados na fronteira, onde migrantes usam seus filhos para exercer pressão sobre os poloneses. Eles expiram fumaça de cigarro no rosto das crianças para fazê-las chorarem."

E o jornal polonês Gazeta Polska escreveu: "As organizações de ajuda na fronteira são uma arma híbrida usada por Putin. Eles são usados contra a Polônia e prejudicam a segurança do país ao bloquearem a construção de uma cerca". O governo polonês havia anunciado que começará em dezembro a construir 180 quilômetros de cerca na fronteira com Belarus.

Ou como Krzysztof Bosak do partido de extrema direita Konfedericja escreveu: "Eu não daria sequer um cobertor quente aos migrantes. Vi dois irmãos batendo em sua própria mãe na presença de um médico." Segundo ele, está se lidando com pessoas hostis que vêm para a Europa não porque são perseguidas em casa, mas porque querem ir para a Alemanha.

Na imprensa de direita da Polônia, os migrantes na fronteira são constantemente retratados não como pessoas desamparadas, mas como estranhos desordeiros. E o governo de Varsóvia faz tudo que está ao seu alcance para reforçar essa imagem e, por outro lado, elogia a "heroica polícia fronteiriça" que estaria fazendo seu trabalho pesado no frio pela pátria.

A opinião pública na Polônia, por outro lado, parece estranhamente dividida. Uma pesquisa recente mostrou que, embora mais de 50% dos entrevistados considerem as expulsões a coisa certa a ser feita, mais de 60% dos poloneses entrevistados disseram que os migrantes deveriam ter direito a um procedimento de requerimento de refúgio.