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Colombianos vão ao segundo turno para eleger 'esquerdista' ou 'outsider' - BBC News Brasil
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Colombianos vão ao segundo turno para eleger 'esquerdista' ou 'outsider' - BBC News Brasil

É a primeira vez que eleição presidencial na Colômbia não tem como finalistas partidos tradicionais de direita e centro-direita. Petro e Hernández estão empatados, segundo pesquisas sobre votação neste domingo (19).

Internacional

Os colombianos que irão às urnas neste domingo (19/06) têm apenas uma certeza: seja qual for o resultado, o país iniciará uma etapa inédita.

Esta é a primeira vez que a disputa será entre um candidato da esquerda ou centro-esquerda e um candidato que se apresenta como outsider do sistema político. Os partidos tradicionais de direita ou de centro-direita, que governaram a Colômbia por décadas, foram derrotados no primeiro turno, realizado no dia 29/05.

Esta eleição tem outras novidades: a união da esquerda e a saída do conflito armado das prioridades dos debates colombianos.

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O ex-guerrilheiro e senador Gustavo Petro, da coalizão Pacto Histórico, que é classificado por especialistas como de esquerda ou de centro-esquerda, e o empresário do setor da construção e ex-prefeito Rodolfo Hernández, da Liga de Governantes Anticorrupção, tido por muitos analistas como populista e uma espécie de "Trump colombiano", estariam tecnicamente empatados, de acordo com as pesquisas de opinião.

A perspectiva de uma suposta contagem "voto a voto" tem levado a imprensa colombiana a afirmar que esta será uma "eleição de infarto" ("infartante").

Nos dois casos, as propostas são consideradas disruptivas e refletem o cansaço dos colombianos com os problemas que enfrentam, como o desemprego (em torno de 12%), inflação alta (9% anual) e a crônica desigualdade social, segundo analistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Tanto Petro como Hernández dizem representar mudanças contra o sistema atual e a esperança de uma guinada na vida dos colombianos — que, em muitos casos, encaram problemas similares aos de outros latino-americanos e agravados durante a pandemia do novo coronavírus e da guerra na Ucrânia, como o aumento nos preços dos alimentos.

"Esta é uma eleição que reflete o sentimento de esgotamento dos colombianos com os problemas sociais que estão enfrentando. É a primeira vez desde os anos 1980 que os partidos tradicionais (Liberal e Conservador) não estão na disputa", disse a cientista política e especialista em negócios internacionais Luciana Manfredi, da Universidade ICESI, de Cali, e da UNAM, do México.

Ela observa que, diante de um eleitorado fragmentado, ao mesmo tempo em que geram expectativas de renovação, os dois candidatos também provocam dúvidas em relação à estabilidade econômica (caso de Petro) e à estabilidade democrática (caso de Hernández).

Os mais céticos questionam como Petro ou Hernández farão, na prática, para atender às demandas acumuladas dos colombianos.

"Num contexto de baixo crescimento econômico, inflação e desemprego altos, surgiram o 'voto castigo' (contra a classe política tradicional) e o 'voto protesto' (contra as dificuldades sociais). Nas eleições anteriores, essas problemáticas apareciam num segundo plano, com a guerrilha e a segurança como prioridades. Mas Petro e Hernández são demagogos porque não está claro como vão resolver os problemas e se não podem acabar piorando a situação", disse Jorge Restrepo, professor de economia da Universidade Javeriana, de Bogotá.

O debate sobre a guerrilha passou a ser secundário e praticamente inexistente nesta campanha eleitoral, em função do acordo de paz, assinado em 2016, para colocar um ponto final no conflito armado envolvendo as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que durou 50 anos.

A esquerda, que era rejeitada por sua associação com o movimento guerrilheiro, passou a ter maiores chances de eleição para a Casa de Nariño, a sede da Presidência colombiana.

Ex-prefeitos

Petro, ex-prefeito de Bogotá, a capital colombiana, e Hernández, ex-prefeito de Bucaramanga, no departamento (Estado) de Santander, são opostos em seus perfis ideológicos.

Na última eleição presidencial, Petro, de 62 anos, foi derrotado no segundo turno, quando os partidos tradicionais e seus opositores em geral se uniram em torno do nome do atual presidente Iván Duque.

Neste ano, no primeiro turno, Petro foi o mais votado, com 40,34% da votação, mas não conseguiu superar os 50% para ser eleito.

Suas bandeiras são a inclusão social e a energia limpa. Suas críticas contra a "dependência colombiana do petróleo" são frequentes e um dos motivos da rejeição de grande parte do empresariado ao seu nome.

Em uma das recentes conversas que teve em suas redes sociais, Petro disse que suspenderia a exploração de petróleo no país e que entre seus objetivos está o setor agrícola, com maior proteção contra os produtos importados e o cuidado com o meio ambiente.

Para o cientista político Alejo Vargas Velázquez, da Universidade Nacional da Colômbia, Petro conta com amplo respaldo da esquerda, mas um dos seus maiores desafios é gerar "credibilidade" entre os investidores.

Na imprensa colombiana falou-se em "petrofobia" — a fobia, o medo dos que rejeitam Petro e a esquerda, principalmente nos setores empresariais e econômicos, e que optariam por Hernández para evitar a vitória do ex-prefeito de Bogotá.

Petro e sua equipe costumam dizer que não há motivos para "temor" e que as mudanças serão feitas a partir do diálogo e do consenso político.

"Se eu vencer, convocarei um grande acordo nacional, baseado no diálogo, incluindo o centro e até (o ex-presidente de direita) Álvaro Uribe. Temos que mudar o ambiente de ódio e sectarismo que existe hoje na Colômbia", disse em entrevista ao jornal espanhol El País.

Machismo

Por sua vez, Hernández, de 77 anos, demonstrou conhecer pouco até sobre a geografia do país e fez declarações jocosas e consideradas machistas.

"O ideal seria que as mulheres se dedicassem à educação dos filhos", disse. E fez outras declarações também consideradas "ultrapassadas" ou "exploradoras", apontaram opositores, analistas e acadêmicos, como as de que os trabalhadores deveriam ampliar a jornada de trabalho para dez horas diárias e reduzir o tempo de almoço para meia hora.

No primeiro turno, Hernández foi a grande surpresa e recebeu 28,17% dos votos, superando Federico Gutiérrez, candidato que representava partidos tradicionais.

O índice de abstenção, normalmente alto no país, foi o mais baixo dos últimos 20 anos. Ainda assim, somente 54% compareceram às urnas, segundo dados oficiais.

E analistas, como Luciana Manfredi, das universidades Icesi e Unam, e Victor M. Mijares, da Universidade de los Andes, observam que o eleitorado colombiano é marcado hoje pela fragmentação.

Assim, o eleitor dos dois presidenciáveis está disperso nas várias camadas sociais do país, não significando que os economicamente mais pobres votarão em peso em Petro ou que os mais ricos optarão por Hernández, notam.

Mas o que esperar de um possível governo Petro ou de um possível governo Hernández?

"Petro tem uma política mais orientada à geração de empregos, a de criar oportunidades de educação superior aos jovens e de mudanças na área de direitos humanos, como a preocupação com os desplazados e o desaparecimento de líderes sociais. O temor entre os empresários é como estas medidas serão financiadas. No entanto, ficaram no passado as especulações de que sua política seria de desapropriar (empresas)", disse a cientista política Luciana Manfredi, que também é da Red Politólogas (cientistas políticas) da América Latina.

Ela observa que entre os que rejeitam a possível eleição de Petro existe a preocupação "em relação à estabilidade econômica", já que ele questiona, além do petróleo, os acordos comerciais internacionais da Colômbia.

"Na visão neoliberal, a Colômbia é vista com a mesma estabilidade que o Chile. Mas existe uma realidade que são a desigualdade social e os 'desplazados' (deslocados por conflitos)", disse.

Como no Chile, a Colômbia também registrou fortes protestos em 2019 e em 2020. E, nesta campanha, Petro recebeu apoio de líderes políticos associados à esquerda ou centro-esquerda, entre eles o presidente chileno Gabriel Boric e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

'Desplazados'

Os "desplazados" formam um drama nacional. Eles são aqueles que tiveram que se mudar, dentro do próprio país, diante do avanço territorial da guerrilha ou do tráfico de drogas. Dados oficiais apontam que a categoria superaria os 2 milhões de colombianos em um país de pouco mais de 50 milhões de habitantes.

Na visão da professora da Universidade de Cali, Petro tem "experiência política" e conhece a Colômbia, diferentemente de seu adversário nesta corrida eleitoral.

Mas se Petro gera o temor da "instabilidade econômica", Hernández gera o temor da "instabilidade institucional e democrática", diz ela.

"Ele representa a incerteza institucional e justifica a definição de populista ao dizer que apoia medidas que no fundo desconhece ou não respalda de verdade", disse.

Esse é o caso, diz ela, da sua defesa do uso medicinal da maconha ou do maior acesso dos jovens à universidade. Quando perguntado, Hernández disse que não sabe como fará para colocar as medidas em prática, mas que contará com gente qualificada para resolver a situação.

Ou, quando a pergunta envolve recursos públicos, recorda a analista, ele responde que atenderá a promessa "com o dinheiro que será poupado da corrupção" — o combate à corrupção é uma de suas principais bandeiras.

Semelhanças entre os candidatos

O analista econômico Restrepo, da Universidade Javeriana, entende que os dois presidenciáveis têm algo em comum no âmbito econômico, que é a defensa de uma economia mais "protecionista" contra a produção externa.

Ele criticou as propostas econômicas dos dois presidenciáveis. "Representam um retrocesso para o país."

A Colômbia, lembrou, tem cerca de 25 acordos de livre comércio, incluindo com Estados Unidos, União Europeia e Canadá, além de fazer parte da Aliança do Pacífico (Colômbia, Chile e México).

"Vejo os dois candidatos como os mais radicais entre todos os presidenciáveis que tivemos nesta eleição. Realmente estamos em um momento inédito na nossa história recente", disse.