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Ciência & Tecnologia

EUA ficam para trás na construção dos melhores navios de guerra do mundo

Um problema crescente tem dado dor de cabeça aos comandantes navais dos Estados Unidos: como acompanhar a expansão constante da frota de navios de guerra da China.

Não só a Marinha da China já é a maior do mundo, como também a sua liderança numérica sobre os EUA segue aumentando. O chefe da Marinha dos EUA alertou recentemente que os estaleiros americanos simplesmente não conseguem acompanhar o ritmo chinês. Alguns especialistas estimam que a China pode construir três navios de guerra no prazo que os EUA levam para fabricar um.

A preocupação com a frota se soma à crescente agressão do governo chinês no Mar da China Meridional e ao redor de Taiwan. Os temas certamente são prioritários na agenda do secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que se reúne com as principais figuras militares da região no Diálogo Shangri-La, que acontece neste fim de semana em Singapura.

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A chance de avanço numa dessas questões durante o evento parece remota, até porque a China rejeitou firmemente uma proposta dos EUA para Austin se encontrar com seu homólogo chinês, Li Shangfu, durante a cúpula.

Mas especialistas que falaram com a CNN antes do encontro dizem que uma solução potencial para a vantagem numérica da frota chinesa está ao alcance das mãos se os EUA estiverem preparados para pensar fora da caixa.

Segundo eles, o governo dos EUA tem algo que o da China não tem: aliados na Coreia do Sul e no Japão que estão construindo alguns dos melhores (e mais acessíveis) equipamentos navais dos oceanos.

A compra de navios desses países, ou mesmo a construção de navios concebidos pelos EUA nos estaleiros deles, poderia ser uma forma econômica de diminuir a diferença com a China.

Os navios de guerra japoneses e sul-coreanos são “certamente uma combinação para seus homólogos (chineses)”, diz Blake Herzinger, pesquisador do United States Studies Center na Austrália. Os projetistas japoneses “estão entre os melhores do mundo”, diz Carl Schuster, ex-diretor de operações no Centro de Inteligência Conjunta do Comando Pacífico dos EUA no Havaí.

Já que os dois países têm tratados de defesa mútua com os EUA, por que os EUA não se unem a eles para superar a China?

O problema é que a lei dos EUA impede atualmente a Marinha de comprar navios construídos por outros países, mesmo dos aliados, ou de construir os seus próprios navios em países estrangeiros devido tanto a preocupações de segurança como a um desejo de proteger a indústria naval dos EUA.

Schuster, Herzinger e outros estão entre um grupo crescente de especialistas que dizem que pode ser hora de repensar essa lei para dar aos EUA uma vantagem na batalha pelos mares.

Type 055

País: China, CN.

Tipo: Destróier, Type 055.

Custo por navio: De US$ 925 milhões a US$ 2,6 bilhões (estimado) (cerca de R$ 4,5 a R$ 12,8 bilhões).

Deslocamento: 12 mil toneladas.

Tripulação: + de 300.

Armas ou poder de fogo: 112 células de sistema de lançamento vertical, com mísseis superfície-ar e antinavio.

Um concorrente para os Type 055

O Pentágono estima que a Marinha da China tenha atualmente cerca de 340 navios de guerra, enquanto os EUA têm menos de 300. Os americanos imaginam que a frota chinesa crescerá para 400 embarcações nos próximos dois anos, enquanto a dos EUA levará até 2045 para atingir 350.

Mas não é apenas a vastidão crescente da Marinha chinesa que preocupa. Alguns dos navios que a China está lançando têm, sem dúvida, maior poder de fogo do que alguns dos seus homólogos dos EUA.

É o caso do Type 055 da China, que muitos consideram o melhor destróier do mundo.

Com deslocamento de 12 a 13 mil toneladas, o Type 055 é maior do que os destróieres típicos (é mais próximo do tamanho da classe de cruzadores Ticonderoga da Marinha dos EUA) e tem um arranque formidável.

O Type 055 tem 112 células de sistema de lançamento vertical (VLS) que disparam mísseis terra-ar e antinavio, quantidade maior que as 96 no mais novo dos destróieres da classe Arleigh Burke da Marinha dos EUA. O destróier chinês também possui sofisticados sistemas de rádio e armas antissubmarinas.

E a China está lançando um Type 055 atrás do outro. O país começou a construir os modelos dessa classe em 2014 e recentemente encomendou seu oitavo, batizado de Xianyang. O trabalho dos EUA nos seus destróieres da classe Zumwalt foi muito mais lento: a construção começou cinco anos antes, mas apenas dois entraram em serviço.

Mas alguns analistas ocidentais dizem que o Type 055 pode ser equiparado à classe de destróieres Sejong the Great da Coreia do Sul.

Com deslocamento de 10 a 12 mil toneladas, os Sejongs são ligeiramente menores do que os Type 055 da China, mas têm mais poder de fogo, com 128 células VLS e armas que incluem mísseis superfície-ar, antissubmarino e de cruzeiro.

Os três Sejongs, que custam cerca de US$ 925 milhões cada (cerca de 4,5 bilhões), são o orgulho da frota sul-coreana.

“Com esse único navio, a Marinha da Coreia do Sul pode lidar com várias situações simultâneas – em poder antiaéreo, antinavio, antissubmarino, antissuperfície – e defender-se de mísseis balísticos”, diz a Agência de Mídia da Defesa do país.

O almirante sul-coreano aposentado Duk-ki Kim, a primeira pessoa a comandar um Sejong, diz que é ele mais do que um concorrente à altura para o Type 055 da China.

“A China está se concentrando na quantidade e competitividade de preços, em vez da qualidade de seus navios”, afirmou Kim, agora vice-presidente da Associação de Estudos Militares da Coreia, à CNN.

Sejong the Great

País: Coreia do Sul, KR.

Tipo: Destróier, classe Sejong the Great.

Custo por navio: De US$ 925 milhões (cerca de R$ 4,5 bilhões).

Deslocamento: 12 mil toneladas.

Tripulação: + de 300.

Armas ou poder de fogo: 128 células de sistema de lançamento vertical, com mísseis superfície-ar e antinavio.

Alta especificação, baixo custo

O Japão também tem destróieres de “nível mundial”, como contou Alessio Patalano, professor de guerra e estratégia no King’s College de Londres.

Os mais novos destróieres da classe Maya do país estão armados com 96 células VLS que podem disparar mísseis antibalísticos e antissubmarinos. A “qualidade de seus sensores e sistemas está no topo do espectro”, segundo Patalano. Em novembro passado, os Mayas demonstraram sua capacidade de destruir mísseis balísticos que viajam para fora da atmosfera da Terra.

As 96 células VLS colocam as embarcações da classe Maya a par com o mais novo dos navios Arleigh Burke dos EUA, mas há uma diferença crucial entre eles: os Arleigh Burkes custam US$ 2,2 bilhões (cerca de R$ 10,8 bilhões), enquanto os Mayas custam 1 bilhão de dólares (ou cerca de R$ 5 bilhões) a menos.

Em outras palavras, a classe Maya representa “quantidade e qualidade”: eles são de alta especificidade, tem custo (relativamente) baixo e podem sair da linha de produção rapidamente.

“Enquanto os armadores chineses demonstram uma capacidade notável para a produção em massa, o Japão lidera o caminho em qualidade acessível em uma escala maior do que a maioria das potências navais, sem sacrificar os tempos de comissionamento. Esse equilíbrio, e a experiência na filosofia desse setor, são uma vantagem verdadeira”, comentou Patalano.

E não é só com a classe Maya. Veja o caso das fragatas da classe Mogami do Japão: são navios de guerra velozes e de ação furtiva de 5,5 mil toneladas com 16 células VLS que disparam mísseis terra-ar e antinavio. Tudo feito por uma tripulação de 90 pessoas e a um preço de cerca de US$ 372 milhões cada (cerca de R$ 1,8 bilhão).

Em contrapartida, espera-se que a primeira das fragatas da Marinha dos EUA em desenvolvimento da classe Constellation custe três vezes mais e exija o dobro da tripulação. Isso é menos do que ideal, dado que a Marinha dos EUA está tendo dificuldade em recrutar (o vice-chefe de operações navais dos EUA disse que é provável que não atinja sua meta de recrutamento de seis mil pessoas este ano), embora os Constellations tenham o dobro de células VLS que os Mogamis.

As comparações de custos com o Type 055 da China são mais difíceis devido ao sigilo do sistema chinês: as estimativas variam de US$ 925 milhões a US$ 2,6 bilhões cada (cerca de R$ 4,5 a R$ 12,8 bilhões).

Mogami

País: Japão, JP.

Tipo: Fragata, classe Mogami.

Custo por navio: US$ 372 milhões (cerca de R$ R$ 1,2 bilhão).

Deslocamento: 5,5 mil toneladas.

Tripulação: 90.

Armas ou poder de fogo: 16 células de sistema de lançamento vertical, com mísseis superfície-ar e antinavio.

Uma arma secreta asiática

Mas o que está tornando os estaleiros sul-coreanos e japoneses tão competitivos?

Os custos imensos e crescentes nos contratos de defesa dos EUA não são comuns no Japão, diz Schuster, porque, diferentemente dos EUA, o país exige que os fabricantes mantenham as estimativas de preço iniciais.

“As licitações que envolvem um estaleiro japonês têm o valor fechado. Se o vencedor entregar com custo abaixo do esperado, tem lucro maior. Se tiver atrasos e erros, vai ter de corrigi-los às suas próprias custas”, explicou Schuster.

A abordagem foi “muito mais inteligente” do que a dos EUA, segundo o especialista. Ele cita como exemplo os supostos problemas com destróieres da classe Zumwalt e navios de combate litorâneos que fizeram o Pentágono gastar bilhões em plataformas que agora são inúteis para a Marinha dos EUA. Os três contratorpedeiros Zumwalt americanos custaram cerca de US$ 8 bilhões cada (cerca de R$ 39,6 bilhões), mas não se sabe ao certo como eles se encaixam no resto da frota.

Além disso, espera-se que alguns dos navios de combate litorâneos dos EUA, que custam mais de US$ 350 milhões cada (cerca de R$ 1,7 bilhão), sejam descomissionados antes mesmo de terem servido um terço da sua vida útil.

Zumwalt

País: Estados Unidos, US.

Tipo: Destróier, classe Zumwalt.

Custo por navio: US$ 8 bilhões (cerca de R$ 39 bilhões).

Deslocamento: 15,995 toneladas.

Tripulação: 197.

Armas ou poder de fogo: 80 células de sistema de lançamento vertical periférico, capazes de carregar quatro mísseis cada.

Hora de repensar?

Todos os navios japoneses e sul-coreanos citados foram projetados para incorporar tecnologia, armas, radares espiões e o sistema de comando e controle Aegis.

Em parte, isso faz com as duas marinhas operem perfeitamente ao lado de sua contraparte dos EUA, como aconteceu nos exercícios conjuntos no início deste ano.

Mas, se os navios dos EUA, japoneses e sul-coreanos usam tecnologia semelhante e podem operar juntos, por que a lei impede os EUA de construir navios em estaleiros japoneses e sul-coreanos?

A proibição não é apenas uma preocupação de segurança. Ela também visa manter empregos e experiência de construção naval dentro dos EUA.

Em 2019, a atividade econômica total associada à indústria naval dos EUA envolveu cerca de 400 mil postos de trabalho e contribuiu com US$ 42,4 bilhões (cerca de R$ 210 bilhões) ao PIB, segundo a Administração Marítima. São 154 estaleiros espalhados por 29 estados classificados como construtores navais ativos e mais de 300 envolvidos em reparações de navios ou capazes de construir navios.

As forças militares dos EUA são uma importante fonte de demanda para os estaleiros: enquanto menos de 3% dos navios entregues em 2020 foram para agências do governo dos EUA, 14 dos 15 grandes navios de grande calado foram destinados para a Marinha dos EUA e a Guarda Costeira dos EUA.

Arleigh Burke

País: Estados Unidos, US.

Tipo: Destróier, classe Arleigh Burke.

Custo por navio: US$ 2,2 bilhões (cerca de R$ 10,8 bilhões).

Deslocamento: Até 9,5 mil toneladas.

Tripulação: 329 a 359.

Armas ou poder de fogo: 80 células de sistema de lançamento vertical, mísseis antiaéreo, antinavio e de ataque terrestre (alguns modelos podem ter mísseis antibalístico).

Tema complicado

Qualquer movimento que possa ser percebido como ameaçador de um setor tão importante seria, portanto, carregado de peso político. Os representantes da indústria de construção naval argumentam que é preciso gastar mais na indústria doméstica, em vez de menos. Recentemente, eles foram ao Congresso para dizer que a maior questão enfrentada pelos estaleiros hoje era atrair e manter uma força de trabalho de qualidade, de acordo com a USNI News.

O porta-voz da Marinha dos EUA, Travis Callaghan, disse: “A Marinha atualmente tem um número significativo de navios em construção e em contrato em vários estaleiros. Também fizemos e continuamos fazendo investimentos significativos em nossos estaleiros para aumentar e maximizar a capacidade. A Marinha está empenhada em fornecer uma força naval pronta, modernizada e capaz, seguindo como o principal instrumento de controle marítimo da nação, tanto agora como no futuro”.

Há também os analistas que, embora admirem a proeza da construção naval do Japão e da Coreia do Sul, dizem que fazê-los construir navios para os EUA seria dar um passo muito grande.

Falando a respeito do contexto Diálogo Shangri-La, Nick Childs, bolsista sênior de estudos navais do IISS, disse que a cooperação dos EUA com seus aliados já está mudando a trajetória do poder naval na Ásia para longe da China.

Há “uma nova fase de equilíbrio marítimo” na região que vem lentamente recuando a favor dos EUA, disse Childs. No entanto, ele não acha que a resposta é construir navios dos EUA no exterior.

“Creio que a resposta é aprender como eles fazem isso, em vez de levá-los a fazer isso por você”, opinou.

Ainda assim, os defensores da terceirização dizem que empregar a ajuda de aliados oferece uma solução mais imediata. Eles contam que os EUA já terceirizam projetos no exterior; suas fragatas da classe Constellation são baseadas em um design italiano e o Japão foi apontado como uma possível fonte para futuros projetos.

Mas Schuster, o ex-diretor de operações no Centro de Inteligência Conjunta do Comando Pacífico dos EUA no Havaí, acha que os projetos não são suficientes, pois os EUA precisam de mais navios agora.

“Como a disponibilidade do estaleiro está cara nos Estados Unidos, ter uma parte desse trabalho feita no Japão resolveria esse problema até que os EUA possam reformar e expandir seus estaleiros, um processo de dez anos de acordo com a maioria dos analistas de defesa”, explicou Schuster.

O almirante sul-coreano Kim acredita que a parceria na construção naval oferece a todos uma situação de “ganha-ganha”.

Herzinger, da Austrália, também pensa que é hora de repensar a lei.

Japão e Coreia do Sul “constroem navios de alta qualidade no prazo e no orçamento, duas coisas que os EUA perderam a capacidade de fazer”, concluiu Herzinger.