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Conhecimento

Por que a Suécia desistiu da educação 100% digital e gastará milhões de euros para voltar aos livros impressos?

Entre os mais ricos do mundo, país vinha, desde a década de 1990, adotando uma estratégia massiva de informatizar os materiais didáticos e as aulas. Resultados em provas de leitura e conselhos de órgãos de saúde fizeram novo governo mudar a postura.

A Suécia, único país que, desde a década de 1990, buscou implementar a educação 100% digital nas escolas, voltou atrás e decidiu investir, ao longo de 2023, 45 milhões de euros (cerca de R$ 242 milhões) na distribuição de livros didáticos impressos.

A decisão, anunciada em dezembro de 2022 pela ministra Lotta Edholm, caminha na contramão da conduta do governo de São Paulo. Na última semana, Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que, a partir do ano que vem, as escolas estaduais paulistas adotarão apenas obras digitais para alunos do ensino fundamental II e do ensino médio. Após repercussão negativa, ele disse que os colégios poderão imprimir o material, se os estudantes solicitarem.

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Nesta reportagem, entenda, em detalhes, os principais motivos que levaram a nação europeia — uma das 20 mais ricas do mundo — a rever sua estratégia de digitalização integral:

A ministra Edholm escreveu, em um artigo no jornal “Expressen”, que a educação 100% informatizada "foi uma grande experiência", mas que "houve uma postura acrítica [do governo anterior] de considerar a tecnologia necessariamente boa, independentemente do conteúdo”.

“Recursos didáticos digitais, se usados ​​corretamente, apresentam certas vantagens, como combinar imagem, texto e som. Mas o livro físico traz benefícios que nenhuma tela pode substituir", afirmou a ministra.

Ao g1, a pedagoga e autora sueca Inger Enkvist, que tem mais de 40 anos de experiência como professora no país europeu, explica que, inicialmente, houve o apoio de parte dos educadores à postura da digitalização massiva, especialmente nos anos 2000.

"Só que o vento agora sopra em uma direção oposta, porque pais, professores e empregadores têm a impressão de que os jovens passaram a saber menos", explica Inger Enkvist.

"Os alunos têm atualmente menos capacidade de concentração. Dedicam menos esforço para escrever bem, porque programas de ortografia automática fazem a escrita parecer mais fácil do que é. O principal problema é que o computador também é uma distração", afirma Enkvist, que também é professora catedrática emérita na Universidade de Lund, na Suécia.

Olavo Nogueira Filho, diretor executivo da ONG Todos Pela Educação, reforça, a partir do exemplo europeu, que “países que têm condições de fazer uma digitalização completa não estão indo nessa direção”. “Não é só questão de ter acesso [a equipamentos ou à internet]: é de estratégia pedagógica, é de neurociência”, afirma.

Queda no desempenho das crianças em leitura

Os resultados do Pirls 2021 (Progress in International Reading Literacy Study), exame internacional que mede habilidades de leitura de alunos do 4º ano do ensino fundamental (de 9 a 10 anos de idade), mostraram que o desempenho das crianças suecas, ainda que esteja acima da média europeia, piorou entre 2016 e 2022: caiu de 555 para 544 pontos.

Para o governo, há uma ligação direta entre essa queda e o uso intensivo de telas nas salas de aula.

Lá, o uso do material digital vai além da adoção dos e-books: nos últimos 10 anos, os tablets substituíram os notebooks também para a execução de pesquisas escolares e a escrita de redações.

Um questionário de dezembro de 2022, com 2 mil professores do país, mostrou que 1 em cada 5 docentes supunham que seus alunos nunca haviam redigido um texto manualmente.

Críticas de órgãos de saúde em relação ao aumento do uso de telas

O governo da Suécia admite que a “digitalização da sociedade é necessária”, mas reforça que, segundo órgãos de saúde, existe um custo cognitivo para quem passa muitas horas na frente da tela.

No Brasil, há uma postura semelhante seguida pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que recomenda o seguinte limite diário de contato com celulares, tablets e computadores:

dos 2 aos 5 anos: até 1 hora por dia;

dos 6 aos 10 anos: entre 1 e 2 horas por dia;

dos 11 aos 18 anos: entre 2 e 3 horas por dia.

A Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, já mostrou que exagerar nas telas pode levar a:

prejuízos na comunicação,

problemas no sono e

atrasos no desenvolvimento cognitivo.

https://g1.globo.com/educacao/noticia/2023/08/07/por-que-a-suecia-desistiu-da-educacao-100percent-digital-e-gastara-milhoes-de-euros-para-voltar-aos-livros-impressos.ghtml