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Opinião

Como ele chegou lá.

REVISTA OESTE

J. R. GUZZO

Alexandre de Moraes soube construir uma situação em que não tem rivais, não tem freios e não tem controles, e na qual está livre para governar o Brasil segundo o que acha que está “certo”, e não segundo o que diz a lei.

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Onde o ministro Alexandre de Moraes acertou?

Ele é hoje, ao mesmo tempo, condutor do Supremo Tribunal Federal, governador-geral do Brasil e único brasileiro que tem o poder de revogar, mudar ou escrever leis por conta própria, sem necessidade alguma de aprovação do Congresso Nacional.

É óbvio, à essa altura, que acertou em alguma coisa para chegar ao lugar em que está.

Provavelmente, acertou muito, e em muitas coisas — ninguém consegue se tornar o homem mais importante de um país com 200 milhões de habitantes e PIB de quase 2 trilhões de dólares, segundo FMI, cometendo erros, ou mais erros do que acertos.

Pode-se “gostar” ou “não gostar” do ministro, como ele próprio comentou em relação à lei que permite o indulto presidencial.

Mas o fato é que ele manda e todo mundo obedece, a começar pelo presidente da República — e se mandar mais vão obedecer mais.

Alexandre Moraes, hoje, decide mais que o Congresso Nacional inteiro;

decreta, pessoalmente, ou através dos outros ministros, que leis aprovadas legitimamente pelos deputados e pelos senadores não valem mais, ou cria as leis que os parlamentares não aprovaram, mas que ele quer — como é o caso, agora, da lei da censura na internet.

Vale, sozinho, mais que as três Forças Armadas juntas.

Pode fazer, e faz, coisas ilegais.

Prende cidadãos.

Bloqueia contas bancárias.

Viola o sigilo de comunicações.

Nega o exercício do direito de defesa.

Dá multa de 22 milhões de reais a um partido político de oposição.

Proíbe qualquer pessoa ou empresa (qualquer uma; até membros do Congresso) de se manifestar pelas redes sociais.

Eliminou as funções do Ministério Público.

Enfiou na cadeia um deputado federal na vigência do seu mandato.

Indiciou pessoas por conversarem num grupo de WhatsApp.

Comanda no momento dois inquéritos ilegais de natureza policial (que podem ser seis, ou até mais; são tantos que ninguém consegue mais fazer a conta exata), nos quais se processa qualquer tipo de crime que o ser humano possa cometer, tudo junto e tudo misturado — do golpe de estado ao passaporte de vacina.

Criou, e usa, algo que não existe no direito universal:

o “flagrante perpétuo”.

Muito bem: um homem assim manda ou não manda mais que todos os outros?

A ascensão de Moraes ao topo da vida pública brasileira não aconteceu pelos meios comuns.

Ele não teve uma campanha eleitoral milionária, com “Fundo Partidário”, apoio fechado do TSE e outras vantagens;

aliás, não teve um único voto, e nem precisou.

O ministro não vem de nenhuma família que vive às custas de suas senzalas políticas.

Não é um bilionário como esses banqueiros de investimento “de esquerda” que vivem dando entrevista na televisão.

Não precisou de apoio da imprensa, embora tenha se tornado um ídolo para a grande maioria dos jornalistas brasileiros — é tratado hoje como uma espécie de Che Guevara que lidera as “lutas democráticas” neste País.

(O que provavelmente deve deixar o ministro achando muita graça.)

Sua origem não tem nada a ver com o PT.

Moraes foi nomeado para o cargo por Michel Temer, que Lula chama de “golpista” e é visto pela esquerda nacional como portador de alguma doença infecciosa sem cura.

O passado político do ministro, ao contrário, o coloca como secretário de Geraldo Alckmin, nos tempos em que ele não usava boné do MST e era uma figura de piada para Lula, os intelectuais e os artistas da Globo.

Apesar de tudo isso, o ministro Moraes está lá.

Como foi acontecer um negócio desses?

Ou, de novo: onde ele acertou?

Acertou em muita coisa, essa é que é a verdade — e a primeira delas é que entendeu melhor do que ninguém a força e a utilidade da coragem num país em que o ecossistema político é habitado majoritariamente por covardes.