Política
Diversidade funcional
Síndrome de Down, autismo e outras
diversidades funcionais.
Por: Geraldo Nogueira*
Na natureza, todas as criaturas vivas possuem a mesma estrutura de código genético - o DNA. Num certo ponto do processo, os códigos começam a se diferenciar, ocasionando identidade peculiar a cada espécie e a cada ser. Uma das belezas da vida está no fato de que o mesmo DNA, responsável por tantas semelhanças entre os seres vivos é também aquele que os torna tão diferentes e individuais. Enquanto gerava sua família a “mãe natureza” assegurou-se de que a vida iria conter, ao mesmo tempo, simplicidade e complexidade. Cada peça do quebra-cabeça, mesmo a sua menor parte, tem um importante papel, de maneira - a única maneira - que este possa ser montado e mantido em equilíbrio.
Sob a perspectiva do ser humano, são necessários orgulho e humildade para compreender e aceitar que somos realmente pequenos e insignificantes no contexto do universo. Porém, a cada um de nós incube responsabilidades a seres cumpridas para alcançarmos o equilíbrio de vida, ou seja, viver sentindo-se em paz e com harmonia interior e no convívio com outras pessoas. Por isso, precisamos aprender sobre como conviver com a diversidade, como aceitar as diferenças individuais e como fazer com que elas nos beneficiem a todos.
Parece que nós, pessoas com deficiência ou com diversidade funcional, temos essa visão. Podemos sentir e compreender tais conceitos. Esta perspectiva nos torna agentes responsáveis, como porta-vozes das transformações que a sociedade necessita empreender. Estamos prontos para isto?
No Brasil, conta-se a estória de um colibri que, durante um grande incêndio na floresta, foi visto indo e vindo carregando água em seu pequeno bico e derramando-a sobre o fogo. Os outros animais, muitos deles maiores e mais forte do que o colibri, fugiam o mais rápido que podiam, pensando somente em salvar a própria pele. Enquanto corria, um leão que observava o colibri perguntou se ele não havia se dado conta de que não iria conseguir extinguir o incêndio com aquelas poucas gotas d’água, mas que, ao invés disso, poderia acabar morrendo. Sem parar de trabalhar o colibri disse ao leão: - estou fazendo somente a minha parte.
Em nosso dia a dia quando tomamos decisões, a maior parte das vezes precisamos escolher entre a visão do leão ou a do colibri, sobre o mundo, a vida e sobre nós mesmos. Será que nesse processo sequer consideramos ou nos importamos de fato com aqueles que nos rodeiam?
A população do mundo.
O Dr. Philip M. Harter, MD, FACEP da Escola de Medicina da Universidade de Stanford-EUA, certa vez declarou que: "...se nós pudéssemos reduzir a população da terra para uma aldeia de exatamente 100 pessoas, com todas as relações humanas existentes chegaríamos, mais ou menos, ao seguinte quadro:
Haveria 57 asiáticos, 2l europeus, 14 do Hemisfério Ocidental, do Norte e do Sul, 8 africanos; 52 seriam mulheres, 48 homens; 70 seriam não brancos; 30 seriam brancos; 70 seriam não cristãos; 30 seriam cristãos; 89 seriam heterossexuais; 11 seriam homossexuais; 6 possuiriam 59% de toda a riqueza do mundo e todos os 6 seriam dos Estados Unidos; 80 habitariam moradias de baixo padrão; 70 não saberiam ler; 50 sofreriam de subnutrição; 1 estaria perto de morrer; 1 estaria próximo de nascer; 1 teria educação universitária; 1 possuiria um computador.
E concluiu: "...quando consideramos nosso mundo sob uma perspectiva de tal forma comprimida, a necessidade de aceitação, compreensão e educação se torna extremamente obvia".
O fato de que as deficiências ou diversidade funcionais das pessoas não estejam refletidas nessa estatística não nos surpreende. Embora sejamos uma proporção relevante de cada um desses grupos, ainda assim não somos considerados como parte da autoimagem social. A sociedade não nos conta como integrantes, como pares, mesmo quando tenta retratar toda a sua diversidade.
Pensar toda diversidade humana, humanizar, universalizar serviços e incluir são os desafios impostos a sociedade moderna. Os sintomas da exclusão social não parecem, infelizmente, ser exclusividade dos países menos desenvolvidos. Marginalizar as diferenças tem sido a "sabedoria" da humanidade, que num esforço em vão tenta padronizar o que Deus, infinitamente sábio, criou perfeitamente diverso.
Parafraseando Matilde Zavala de Gonzalez, a igualdade pressupõe o respeito às diferenças pessoais. Porque igualdade não significa o nivelamento de personalidades individuais, pelo contrário, não se ganha uma efetiva e substancial igualdade sem que se tenha em conta as distintas condições das pessoas. Por outro lado, assim como a liberdade absoluta na convivência social conduz ao anarquismo, a igualdade artificial das concretas desigualdades ou igualdade absoluta, leva a despersonalização e a massificação.
O igualitarismo absoluto é injusto porque trata aos seres humanos como unidades equivalentes, sem atentar ou atender as desigualdades fatídicas que os diferencia. Assim, é que ocorre a injustiça da discriminação, quando uma pessoa é colocada em situação de inferioridade, lesiva a sua dignidade, justamente por conta de sua diversidade. Contudo, a humanidade há de entender que diverso ou diferente não significa necessariamente inferior.
*Superintendente de Ações para Pessoas com Deficiência da Subsecretaria de Políticas Inclusivas do Estado e Titular da Diretoria da Pessoa com Deficiência da OAB/RJ.