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Opinião

Jair Bolsonaro é sintoma (mais um) do que se passa no Brasil

Por Mario Sabino

Jair Bolsonaro deve ter a prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, a sua Nêmesis, se o tenente-coronel Mauro Cid confessar mesmo que vendeu relógios de luxo recebidos como presentes oficiais e repassou o dinheiro em espécie resultante da venda ao ex-presidente, tudo a mando do próprio Jair Bolsonaro.

Avoluma-se também a história do hacker contratado para fraudar urna eletrônica e assumir a autoria de um suposto grampo do telefone de Alexandre de Moraes, cuja veracidade precisa ser verificada, uma vez que o personagem em questão é conhecido estelionatário. De qualquer forma, Jair Bolsonaro admitiu ter conversado com o sujeito, o que já é um desvio do comportamento que se espera de um presidente, algo que não o ajudará nos demais processos.

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O enredo burlesco, chulé, é um final vagabundo para quem teve um início vagabundo — e que não soube aproveitar a chance de limpar e honrar a sua biografia no exercício da Presidência da República, por “limitações cognitivas e baixa civilidade”. O diagnóstico feito pelo ministro Luís Roberto Barroso, no início de 2022, ao comentar os reiterados ataques de Jair Bolsonaro ao sistema eleitoral, resume perfeitamente o personagem.

Mesmo que não seja preso agora ou que não seja preso nunca, Jair Bolsonaro será visto como um ladrãozinho de joias, outro diminutivo a abrilhantar o currículo do chupista de rachadinhas. O fato deveria provocar uma reflexão que ultrapassasse as delinquências do ex-inquilino do Planalto.

Desde o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República, sete políticos ocuparam o cargo: Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro. Desses sete, dois foram saídos durante o mandato por fazer lambanças, quatro enfrentaram processos por roubalheira e dois desses quatro chegaram a ver o sol nascer quadrado (até agora). Esquerda, direita, centro: há encrencados de todos os espectros. Não é relativização, é constatação.

O que isso significa? A resposta mais comum em Brasília e alhures é que o presidencialismo de coalizão é a ocasião que faz o ladrão e, por isso, o semipresidencialismo ou o parlamentarismo seriam a solução.

Duvido, basta ver o que ocorre também nos demais poderes. O cerne da questão está longe de ser o tipo de regime político ou o formato da votação, se distrital ou não, mas a qualidade do homem público brasileiro. Ela é tão ruim, em termos de honestidade, cultura, visão de mundo e capacidade de administração, que se fosse medíocre já seria motor de grande desenvolvimento. Qualquer que seja o regime político, a baixa qualidade do homem público brasileiro será determinante. Esquece-se de que as instituições, os regimes, são abstrações comandadas por indivíduos concretos.

A qualidade dos homens públicos brasileiros nunca foi grande coisa, mas vem piorando bastante. Jair Bolsonaro é mais um sintoma do que se passa no país. Por que a qualidade só piora? Porque a política no seu sentido amplo, o que inclui gente sem mandato eletivo, virou o lugar do rebotalho, ao que parece definitivamente. Como chegamos a esse ponto? É a reflexão que precisaria ser feita, mas não será. Até porque uma resposta possível seria bastante desencorajadora, embora talvez nos fizesse um pouco mais conscientes de traços irredutíveis do caráter nacional.

Veja aqui:

https://www.metropoles.com/colunas/mario-sabino/jair-bolsonaro-e-sintoma-mais-um-do-que-se-passa-no-brasil