Cultura & Entretenimento
Do cinema de "Parasita" aos parasitas do nosso cinema
Meio cinematográfico brasileiro soltando batatada a rodo sobre a política pública do cinema coreano, sobre a cota de tela do cinema coreano, sobre o protecionismo do cinema coreano, sobre o investimento em escolas de cinema do cinema coreano, sobre o invejável mercado interno do cinema coreano, sobre todas as conquistas recentes do cinema coreano, mas ninguém toca no assunto principal: a valorização e a busca pela BILHETERIA do cinema coreano. Não mencionam justamente o que importa na discussão.
Porque na Coréia do Sul ser popular e dar bilheteria não é considerado crime inafiançável pela crítica e formadores de opinião. Lá os cineastas procuram justificar cada centavo do dinheiro público colocando espectadores dentro da sala. Ninguém ganha por antecipação ou na produção. Por isto há uma produção variada e rica de filmes policiais, de comédias, de terror, ficção científica, de tudo. Eles se desafiam, ousam, buscam o espectador de todas as formas. Aqui no Brasil ocorre o exato contrário: em vez de se pensar em cinema que dá dinheiro, apenas reclama-se, que dão pouco dinheiro para o cinema. Desde os primódios de nossos INCs e Embrafilmes que a maioria dos cineastas brasileiro vive sonhando com a ajuda, boquinha, a verba, o conchavo, a panelinha, para fazer filmes que ninguém quer ver. Cineasta brasileiro é o único do mundo que briga por cota de tela para deixar sala vazia. Parasitam o estado sem nunca entregar um filme como "Parasita".
Agora babam pelo cinema coreano sem entender que o problema não é dinheiro, ou ajuda de estado, mas de postura. Quem vê o atual sucesso de Bong Joo Ho nem imagina que ele realizou um filme de monstro popularesco como "O Hospedeiro" ou mesmo um razoável infantil como "Okja", para o Netflix, para pagar as contas e se firmar no mercado. Porque Bong Joo Ho é um cineasta realmente talentoso, pop, que pensa no sucesso. Ele não faz filme para competir em festivais ou sonha em ganhar a Cotovia de Bronze do Festival de Grenoble. Muito menos se regozija com menção honrosa no Sundance ou acha que vencer mostrinha paralela em Cannes é "prova de alcance" do seu cinema. Ele é melhor e maior do que isso. Como qualquer cineasta da Coréia do Sul, o cara gosta de público, sabe fazer dinheiro, rala, corre atrás.
Como sempre digo, o cinema brasileiro não precisa de mais política pública, precisa é de mais cineastas que pensem no público. Políticas públicas nós já tivemos e temos aos montes, mas onde estão os resultados? Porque se há uma coisa que o cinema coreano nos ensinou no último Oscar é que primeiro precisamos reinar em nosso quintal para DEPOIS tentarmos chamar a atenção do resto da rua. "Parasita" venceu ontem porque primeiro venceu dentro do seu próprio país. Porque o rabo jamais abanará o cachorro. Não se trata de uma questão do que o governo coreano fez pelos seus cineastas, mas do que os cineastas fazem com a ajuda que recebem. Em resumo, mais uma vez: postura.
Fico realmente embasbacado de ver cineasta brasileiro achando que o sucesso de "Parasita" nos Estados Unidos abrirá portas para o cinema estrangeiro com apenas um Oscar. Não deveríamos pensar em Oscar, ou prêmio, para chancelar qualquer coisa. Isso é pensar pequeno. Temos que pensar em nosso público. Não há nada mais ridículo do que diretor ou produtor brasileiro que parte para a mesa de projetos pensando apenas nos festivais onde tal e tal idéia pode bombar e dá uma banana para seu próprio público e cultura. Nunca chegamos ou chegaremos a nenhum lugar pensando assim.
Não era preciso ser muito observador para ter percebido a cara de real surpresa e humildade de Bong Joo Ho ao receber os prêmios ontem. Isto aconteceu porque, ficou claro, nada daquilo foi planejado. Ele realmente não esperava tamanha repercussão. O motivo de tamanho desprendimento é um só, muito simples, e que muitos por aqui realmente tem dificuldade de entender porque invertem o valor das coisas: ganhar um Oscar não é um objetivo, mas uma consequência.
Enquanto olharmos para o lado errado da discussão, acharmos que prêmios são os objetivos, podemos ter a política pública que for, a ajuda que for, o dinheiro que for, a cota de tela que for, que continuaremos, para sempre, distantes não apenas da estatueta, mas da relevância que a gente jura que tem.