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Opinião

É histórico: Lula fez, Lula faz a alegria do ditador Nicolás Maduro

Por Mario Sabino

Se Lula e PT têm profunda convicção democrática, por que eles admiram ditadores como o venezuelano Nicolás Maduro, que foi curtir a vida adoidado em Brasília, a pretexto de participar da ressurreição daquela má ficção chamada Unasul?

Não me venham com essa de pragmatismo. Ser pragmático não requer ser visitado por um pária internacional e chamar a ocorrência de “momento histórico”, como fez o presidente da República. Ser pragmático, no caso, seria apenas reatar relações diplomáticas com a vizinha Venezuela e, quem sabe, retomar algumas relaçōes comerciais, não nas mesmas condiçōes do calote de quase 2 bilhōes de dólares (conhecida, pode ser muito mais) que o chavismo nos deu e dos esquemas que propiciou. Ponto.

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Histórico, na verdade, é o apoio entusiasmado de Lula e do PT a Nicolás Maduro, para quem o chefe petista fez propaganda eleitoral, depois de ter dado aquela fuerza a Hugo Chávez. Histórico também é o suporte petista ao ditador nicaraguense Daniel Ortega e ao castrismo cubano.

Ainda não entendi por que esses apoios não puderam ser assunto na última campanha eleitoral, já que necessariamente levam à indagação sobre a real profundeza das convicções democráticas lulopetistas. É porque estavam na boca de Jair Bolsonaro e dos bolsonaristas? Gente energúmena também pode dizer verdades, e o problema brasileiro talvez seja principalmente este: há muitas verdades invalidadas porque ditas por gente energúmena. Conveniente.

Lula, numa das falas mais reveladoras do que vai na sua alminha, disse ao companheiro Maduro, sem corar de vergonha, que o ditador e a Venezuela eram vítimas de “narrativas de antidemocracia e de autoritarismo” — e que Maduro precisava reagir com uma narrativa própria que mostrasse a verdade sobre o seu regime, ao que parece adorável. Que era “inexplicável” que se impusesse 900 sançōes contra a Venezuela somente pelo fato de não se “gostar” do país.

Vamos ver, então, a narrativa dessa organização de extrema direita que é a Anistia Internacional.

No seu relatório de 2022 sobre a situação dos direitos humanos nos diferentes países, a Anistia Internacional resumiu o que se passa na Venezuela de maneira até branda:

“Falta de acesso a direitos econômicos e sociais permanecem uma séria preocupação, com a maioria da população experimentando severa insegurança alimentar e impossibilidade de acesso a assistência médica adequada.

“As forças de segurança responderam com força excessiva e outras medidas repressivas a protestos de vários setores da população, para reivindicar direitos econômicos e sociais, incluindo o direito à água. A impunidade para as execuções extrajudiciais em curso pelas forças de segurança persistiu.

“Os serviços de inteligência e outras forças de segurança, com a aquiescência do sistema judicial, continuaram a deter, a torturar e a maltratar arbitrariamente aqueles que são considerados opositores do governo de Nicolás Maduro.

“Um relatório da Missão de Averiguação das Nações Unidas na Venezuela expôs padrões de crimes contra a humanidade e pediu investigações sobre vários funcionários do governo nomeados.

”As condições das prisões continuaram a ser uma grande preocupação, especialmente em relação à superlotação e ao uso de centros de detenção ilegais, bem como ao acesso a direitos básicos, como água e comida.

“Apesar da adoção de reformas legais da administração da justiça, o acesso ao direito à verdade e à reparação das vítimas de violações de direitos humanos permaneceu um desafio. Entre 240 e 310 pessoas continuaram detidas arbitrariamente por motivos políticos.

“As políticas repressivas do estado visavam a jornalistas, mídia independente e defensores dos direitos humanos.

“A mineração ilegal e violência ameaçaram os direitos dos povos indígenas no Arco Mineiro do Orinoco. O aborto ainda era criminalizado em quase todas as circunstâncias. A violência contra as mulheres persistiu, a despeito da moldura legal existente. Não houve progresso para assegurar os direitos da população LGBTI. Até o final do ano, mais de 7,1 milhões de venezuelanos haviam fugido do país.”

Faltou dizer que as últimas eleiçōes razoavelmente livres na Venezuela datam de 2015. Faltou falar sobre a corrupção chavista e o envolvimento de Nicolás Maduro com o narcotráfico.

Petistas dirão que o relatório da Anistia Internacional sobre os direitos humanos no Brasil de 2022, então governado por Jair Bolsonaro, era ruim também (sem relativizar, quando é que não foi?). A comparação é desonesta.

A crônica situação brasileira em matéria de direitos humanos não se compara nem de longe à de um país do qual o equivalente a um quarto da população atual fugiu, escapou, escafedeu-se, por causa da repressão política do regime ditatorial iniciado por Hugo Chávez e agravado por Nicolás Maduro. Repressão política combinada à tragédia econômica resultante da destruição contínua e meticulosa da livre-iniciativa e do direito de propriedade.

Repita-se: mais de 7 milhōes de cidadãos venezuelanos, das diferentes camadas sociais, fugiram do país. Em termos proporcionais, é como se 50 milhōes de brasileiros houvessem saído do Brasil. Mas, para o inquilino petista do Palácio do Planalto, o fato é fruto de “narrativa”.

A acolhida calorosa de Lula e do PT a Nicolás Maduro,coerente com o restante da sua política exterior, serve para que o ditador venezuelano faça propaganda da sua legitimidade inexistente e se sinta ainda mais à vontade para reprimir, prender, torturar e matar opositores da democradura da qual é o maior canastrão. O único avanço dessa operação lulopetista de lavagem de ditador, certamente não um avanço real para os venezuelanos, poderá ser em alguma dissimulação.

A ponte que Lula afirma querer criar entre Nicolás Maduro, homem muito mau, e a oposição tem mão única, a chavista. É histórico: Lula fez, Lula faz a alegria da ditadura na Venezuela. Tal é o nosso democrata.