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Opinião

Por que temos prazer em fazer certas coisas, mas não quando nos pagam para fazê-las?

Conforme Margaret Clark, Judson Mills e Alan Fiske afirmaram há muito tempo, a resposta é que vivemos simultaneamente em dois mundos distintos: um dominado pelas normas sociais e o outro, onde as normas do mercado fazem as leis.

As normas sociais estão envolvidas em nossa natureza social e em nossa necessidade de comunidade. Em geral são cordiais e afetuosas. Não há necessidade de retribuições imediatas.

O segundo mundo, das normas do mercado, não há nada de cordial e afetuoso nele. A comunicação é arguta: salários, preços, aluguéis, juros, custos e benefícios. Essas relações de mercado não são obrigatoriamente perversas nem cruéis – na verdade, também contam com autossuficiência, inventividade e individualismo – mas implicam benefícios comparáveis e pagamentos imediatos.

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Quando mantemos as normas sociais e as normas do mercado em caminhos separados, a vida segue muito bem. Vejamos o sexo, por exemplo. Podemos tê-lo de graça, no contexto social, onde é, esperamos, caloroso e emocionalmente estimulante. Mas também existe o sexo de mercado, o sexo por encomenda e que custa dinheiro. Isso parece bem simples, mas acredite, não é. Principalmente quando as normas sociais e de mercado colidem. Por exemplo, um rapaz leva uma moça para jantar fora e, depois, ao cinema e paga as contas. Saem mais uma vez e ele paga as contas novamente. Saem pela terceira vez e ele continua sustentando a refeição e o entretenimento. Nesse ponto, ele anseia, pelo menos, por um beijo ao chegar à porta da casa dela, mas não rola. A carteira dele está ficando perigosamente magra, porém, pior é o que se passa na cabeça dele: ele está com dificuldade em reconciliar a norma social (cortejo) com a norma do mercado (sexo por dinheiro). No quarto encontro, ele menciona "em passant" o quanto lhe está custando esse romance. Pronto, atravessou a linha. Transgressão! Ela o chama de animal e sai furiosa. Ele deveria saber que não se pode misturar as normas sociais com as de mercado, principalmente nesse caso, sem implicar que a dama seja uma vagabunda. Outro exemplo clássico, em tempos de redes sociais é, por exemplo, no LinkedIn - quando existem várias pessoas que na tentativa de popularidade e/ou aumentar seu prestígio no mesmo, oferecem serviços e produtos de graça e sabemos que não é bem assim: ou a pessoa está atrás de um "mailing" para te vender algo depois, o que é mais comum e chato, ou te oferece algo grátis para depois te empurrar uma versão mais completa paga. Sem citar nomes, até para evitar confusão, quase todos os dias recebo e-mails, que nem leio mais, dessas pessoas querendo me vender alguma coisa num tom de "melhores amigos".

Essa experiência ilustra um fato lamentável: quando uma norma social colide com uma norma de mercado, a norma social desaparece por muito tempo. Em outras palavras, não é fácil restabelecer as relações sociais. Quando se perde o encanto, depois que a norma social é substituída por uma norma de mercado, esta raramente volta.

O fato de que vivemos tanto no mundo social quanto no mundo do mercado tem muitas implicações para nossa vida privada. De vez em quando todos precisamos que alguém nos ajude a empurrar algum móvel ou a cuidar das crianças por algumas horas ou a pegar nossa correspondência quando viajamos. Qual é a melhor maneira de motivar nossos amigos e vizinhos a nos ajudar? Será que dinheiro serve? Quanto? Um presente, talvez? Ou absolutamente nada? Essa dança social não é fácil desvendar, principalmente quando há o risco de empurrar o relacionamento para o reino das transações de mercado.

Eis algumas respostas: pedir a um amigo para ajudar a empurrar um móvel grande ou algumas caixas é normal, mas pedir a um amigo que ajude a empurrar um monte de caixas ou móveis não é, principalmente se o amigo estiver trabalhando lado a lado com o pessoal da empresa de mudança, que será pago pela mesma tarefa. Neste caso, o seu amigo pode achar que está sendo usado. Do mesmo modo, pedir a um vizinho (que, por acaso, é advogado) para receber a correspondência enquanto você está de férias é normal, mas pedir para ele que passe a mesma quantidade de tempo preparando um contrato de aluguel para você de graça, não é.

Esse delicado equilíbrio entre as normas sociais e de mercado também fica evidente no mundo dos negócios. Nas últimas décadas, empresas vêm tentando se vender como companheiras sociais, ou seja, querem nos fazer pensar que somos uma família, ou pelo menos amigos que vivem na mesma "vibe". Sabemos que esse jogo é perigoso e não dá para ser as duas coisas. Não é possível tratar os clientes como membros da família em um momento e, depois, tratá-los de maneira impessoal, ou pior ainda, como um incômodo ou um concorrente, um momento depois, quando isso se torna mais conveniente ou lucrativo. Não é assim que funcionam os relacionamentos sociais. Se quiser ter um relacionamento social, tenha, mas não se esqueça de que é preciso mantê-lo em quaisquer circunstâncias.

Por outro lado, se acha que precisa fazer jogo duro e cobrar por serviços adicionais ou pôr os clientes em seu devido lugar, talvez não convenha jogar dinheiro fora para transformar a companhia em amiga de todas as horas. Nesse caso, atenha-se a uma simples preposição de valor: declare o que vai dar e o que espera receber em troca. Já que não cria nenhuma expectativa nem norma social, também não pode transgredir nenhuma, afinal são só negócios.

As empresas também tentaram estabelecer normas sociais com os empregados, mas nem sempre foi assim. O relógio de ponto que o diga! A linha divisória entre trabalho e lazer também ficou embaçada. Ao tratar empregados, mais ou menos como no trato com os clientes, as empresas precisam entender seu compromisso implícito de longo prazo.

É fato que ninguém irá trabalhar de graça; contudo, se examinarmos empresas como a Google, que oferece uma série de benefícios aos empregados (inclusive almoços caros, por exemplo), daremos ênfase ao lado social do relacionamento empresa-trabalhador, o qual gera uma grande disposição. É notável a quantidade de trabalho que as empresas (principalmente startups) conseguem fazer com que os empregados realizem as normas sociais (por exemplo, a empolgação de construir algo juntos) são mais fortes que as normas do mercado (por exemplo, salários que sobem muito a cada promoção).

Se as empresas começassem a pensar levando em conta as normas sociais, perceberiam que essas normas geram lealdade e, o que é mais importante, fazem com que os empregados queiram exceder-se até o ponto em que as empresas de hoje precisam: que sejam flexíveis, interessados e estejam dispostos a colaborar. É isso que o relacionamento social produz. Acontece que o dinheiro é quase sempre a maneira mais cara de motivar. As normas sociais, além de mais baratas, também costumam ser as mais eficazes. (Ariely, 2008).

Tags: #empreendedorismo , business, #marketing, #borapensar, #vidal