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Opinião

JUIZES PRECISAM SER IILUMINISTAS, MAS NÃO ILUMINADOS?

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Terça Livre @tercalivre

Jun 23, 2023 at 12:34pm

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Sabatina de Zanin, Contarato e o Iluminismo

Senador disse em sabatina que juízes precisam ser iluministas, mas o que isso significa?

Marcos Oliveira/Agência Senado

Em busca de uma ruptura com o modelo político e econômico, o século XVIII foi marcado por uma engenharia social fabricada por um movimento intelectual conhecido como Iluminismo. Em busca da autointitulada emancipação do pensamento e a promoção da razão sem a ajuda da fé como guia para uma nova sociedade, cuja a implementação na prática trouxe resultados completamente sanguinários. Se os EUA nasceram “sob os direitos divinos”, não foi o caso da França revolucionária. Ao compararmos a Revolução Francesa e a Independência Americana, duas transformações políticas que ocorreram quase simultaneamente, as consequências são significativamente opostas.

A Revolução Francesa, iniciada em 1789, foi impulsionada por membros de clubes de pensamento que se autoproclamavam representantes da insatisfação popular com o sistema monárquico de então. A Comuna de Paris adotou oficialmente pela primeira vez a fórmula de seu premier, Jean-Nicolas Pache, e ordenou em 21 de junho de 1793 que fosse pintada nas paredes da prefeitura a fórmula: “A República uma e indivisível - Liberdade, Igualdade, Fraternidade ou Morte”.

Junto dessa nova fórmula, não chegaram à liberdade, nem à igualdade e tampouco à fraternidade e os eventos sangrentos que se sucederam durante esse período marcaram a França com um legado de terror e muitas mortes.

A busca pela “igualdade” e “justiça” rapidamente deu lugar ao caos e à repressão. O reinado do terror, liderado por Robespierre, levou à execução em massa de milhares de pessoas consideradas inimigas da revolução, através do uso da guilhotina. A revolução, que começou sob pretexto de nobres aspirações, acabou mergulhada em um banho de sangue que culminou na ascensão do ditador Napoleão Bonaparte, levando a um regime mais autoritário ainda e a conflitos armados que se espalharam por toda a Europa.

Em evidente contraste, a Independência Americana, ocorrida entre 1775 e 1783, teve um desenrolar totalmente diferente. Os colonos americanos buscaram libertar-se do domínio britânico, lutando pela autodeterminação e pelos direitos individuais. Embora também influenciados pelas ideias iluministas, os Estados Unidos foram capazes de evitar as consequências sangrentas observadas na França por uma razão muito simples: os pais fundadores colocaram a Constituição como ferramenta de limitação de poder e garantindo a todos os americanos dois direitos fundamentais, a saber, o da liberdade de expressão acima de tudo e o direito de usar armas para defender-se e assim depor qualquer tirano. Esses princípios se tornaram a base sólida da nação americana, permitindo um avanço enorme e evitando a extrema instabilidade vivenciada pelos revolucionários franceses.

Os pais fundadores dos Estados Unidos, como Thomas Jefferson e George Washington, pensaram as ideias iluministas de modo diametralmente oposto aos franceses. A Declaração de Independência e a Constituição dos Estados Unidos refletiram a preocupação com a proteção dos direitos individuais, a separação dos poderes e a governança descentralizada. A palavra democracia sequer está na Constituição americana.

As “nobres intenções” revolucionárias, trazidas pelo Iluminismo, não pôde garantir resultados consistentes e pacíficos em todas as situações. A Revolução Francesa mergulhou na violência e no terror. Já a Independência Americana conseguiu estabelecer uma nação mais estável, preservando os direitos individuais e evitando os ideais revolucionários.

É até estranho imaginar o surgimento dos EUA como uma invenção iluminista ao olhar a revolução francesa, como aponta Joris Steverlinck Gonet em sua obra “A universidade de Salamanca e a Constituição dos Estados Unidos”, trazendo as raízes históricas da experiência americana e os antecedentes preexistentes em outras regiões da Europa, por exemplo, o trabalho da Universidade de Salamanca. De qualquer forma, todo revolucionário exalta o Iluminismo tendo a revolução francesa como símbolo, como uma viva imagem de ruptura. A bajulação do Iluminismo como um movimento não-tenebroso, iluminado pela razão de fato, nunca usa a experiência americana como estandarte.

Na sabatina do advogado do líder socialista fundador do Foro de São Paulo, o senador Contarato provou o que digo aqui. Se é para falar de Iluminismo, que seja nos mesmos moldes fracassados pelos franceses: inicie falando em liberdade, igualdade e fraternidade e termine perseguindo os opositores. Talvez pela rapidez da informação nos dias atuais, os revolucionários ficam um tanto acabrunhados em falar em morte de discordantes, mas não temem falar em prisão. Uma atualização ficaria algo do tipo “Liberdade, igualdade, fraternidade ou prisão decorrente de inquérito”.

Vindo de um senador da república, a fala do mentecapto deveria surtir uma chuva de críticas e um temor geral, mas uma sociedade que já se acostumou com os inquéritos alexandrinos e toda sorte de terrorismo que deles decorrem não compreenderá o que fora dito na vergonhosa sabatina. A dormência e falta de sensibilidade é tamanha que há quem defenda até o elogio ao Zanin saindo da boca de Flávio Bolsonaro, mais um acostumado à suruba Alexandrina.

Se ainda existem pessoas que desejam ver a experiência americana e não a sanguinolenta revolução francesa, não sei, mas só essas pessoas poderão guardar alguma coisa que sobrou do Brasil.