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Opinião

Diálogo sobre Ciência e Ética, Justiça e Ternura.

Esse diálogo ocorreu há 17 anos e permanece válido para os dias atuais.

Hoje estou como Presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB-RJ (CDPD)

INCLUSIVO É O SER

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Olga Passos e Geraldo Nogueira,

dialogam sobre Ciência e Ética, Justiça e Ternura.

(Ambos são responsáveis pela abertura dos Encontros sobre Mediação para Inclusão, que faz parte do evento “Sextas de Conhecimento” organizado pelo ISA-ADRS (Instituto de Soluções Avançadas)

Geraldo Nogueira

Advogado especialista em direito

das pessoas com deficiência,

vice-presidente da Rehabilitation International

para a América Latina e diretor jurídico

do CVI Brasil.

Um público muito especial se encontrou no dia 19 de agosto de 2005, no auditório do Flamengo Tows, ao lado do Palácio do Catete, motivado pelo desejo de divulgar informações sobre INCLUSÃO.

Sob a coordenação da doutora Olga Passos Ribeiro, este encontro deu prosseguimento às atividades do Programa de Responsabilidade Social, do ISA, que, neste semestre, terá como tema central dos encontros a Mediação para Inclusão.

O advogado Geraldo Nogueira foi o palestrante da noite, discursando sobre a história da deficiência, correlações mitológicas, acessibilidade e políticas públicas.

O encontro ocorreu num clima de fraternidade e igualdade, onde Geraldo pacientemente discursou, esclareceu dúvidas e mediou os debates, demonstrando possuir o dom de encantar uma plateia, pois com sinceridade e simplicidade não se furta a falar de sua própria vida, comprovando que uma pessoa com deficiência pode ser feliz e manter-se atuante.

Uma preocupação de Olga neste evento, que foi altamente reconhecida, foi providenciar a presença de uma tradutora intérprete de LIBRAS (Laura Jane), que se dirigiu simultaneamente aos surdos presentes, dando-lhes voz-escuta para participarem ativamente do encontro.

Segundo a coordenadora, esse cuidado é obrigação de todos que pretendem falar para plateias heterogêneas. Atenção indispensável na diversidade.

Ana Passos, diretora da Terra Sólida (empresa de Turismo e Eventos, responsável por este periódico Terra Sol), reconhece que ouvir Geraldo Nogueira é instigante, pelo seu poder de superação e pela força de vida que transmite. Por sua sugestão estas duas páginas foram oferecidas tanto a Geraldo quanto a Olga com a finalidade de desenvolverem um bate-papo saudável e enriquecedor.

Acompanhe conosco este diálogo sobre ciência e ética, Justiça e ternura...

Olga - Em sua palestra, você mostra a história da deficiência desde a Antiguidade, colocando um olhar no mitológico. Poderia falar dessa associação e interesse?

Geraldo: Quando comecei a fazer estas correlações, o objetivo era mostrar a trajetória da deficiência pela história humana, mas depois descobri que a mitologia desperta a curiosidade da plateia, provoca uma maior aproximação com o tema da deficiência e facilita sua assimilação.

Olga – Você nos contou brevemente que por volta dos 30 anos de idade, devido a um acidente de carro, tornou-se paraplégico. No seu caso, quem dirigia o carro que o vitimou estava alcoolizado. Qual sua opinião sobre a direção, o álcool e as leis brasileiras?

Geraldo: Realmente me tornei paraplégico aos 32 anos de idade. No dia do acidente eu estava de carona, sentado no banco traseiro de um carro que trafegava por uma via principal da cidade de Belo Horizonte, quando um segundo veículo, conduzido por uma pessoa alcoolizada atingiu lateralmente o automóvel em que eu estava. O resultado foi uma fratura de coluna, seguida de uma lesão medular. Este tipo de lesão é irreversível. A medicina ainda não dispõe de meios que levem à cura.

A condução de veículos por pessoas alcoolizadas tem vitimado muitas pessoas no Brasil. Esta realidade mudará quando nosso país alcançar um status de país de justiça, pois que, hoje, temos as leis, mas nossa justiça ainda não consegue alcançar e punir a todos igualmente.

Olga – Você é um homem de sucesso, demonstra carisma e equilíbrio. A quem e a qual circunstâncias atribui essa superação?

Geraldo: Sucesso todos nós temos enquanto seres humanos. O simples fato de estarmos vivos já é um sucesso. Carisma e equilíbrio são aprendizados. A cada dia temos que nos esforçar para aprender e superar obstáculos. Dificuldades são oportunidades de aprendizado e crescimento. Quanto mais aprendemos, mais crescemos e nos tornamos comedidos.

Olga - O que é uma lesão medular, como se apresenta e qual a atitude mais apropriada da família e entorno frente ao indivíduo vitimado?

Geraldo: A lesão medular se apresenta com a morte de neurônios, células nervosas que não se regeneram, por isso a lesão é irreversível. Uma lesão medular nunca é exatamente igual à outra, depende do número de neurônios afetados e, também, da função pela quais estes neurônios estavam responsáveis antes de serem atingidos.

Os familiares e amigos de uma pessoa que sofre uma lesão medular devem assumir uma postura de aceitação da pessoa enquanto indivíduo, valorizando não sua deficiência, mas suas capacidades, conhecimentos e desejos.

Olga – Alguns fantasmas parecem envolver os ditos cadeirantes. Objetivamente, quais as situações mais difíceis de enfrentar?

Geraldo: A cadeira de rodas é o símbolo mais forte da deficiência, tanto o é que a deficiência é representada, mundialmente, pela imagem de um “bonequinho cadeirante”. Mas o pior fantasma é o da imobilidade, da paralisia e incapacidade. Explico melhor: como a cadeira de rodas se tornou também um objeto de estagnação ou prisão, as pessoas tendem a assumir uma postura de medo ou piedade diante de um indivíduo “preso a uma cadeira de rodas”, aliás, como se costuma erroneamente dizer. Este símbolo de prisão acaba por mexer com as paralisias internas das pessoas, causando sentimentos que são expressos por atitudes atabalhoadas.

Por último cabe salientar que a cadeira de rodas é um objeto de movimento e liberdade e não de prisão.

Olga – O que se pode esclarecer sobre os mitos escaras e problemas urológicos na lesão medular?

Geraldo: As escaras são feridas causadas pela falta de oxigenação na célula. Uma pessoa por ficar muito tempo numa mesma posição, deitada ou sentada, pressionando demasiadamente uma região do corpo, pode acabar sofrendo desse mal. Neste caso a prevenção é o melhor remédio. Além de aliviar a pressão localizada por 15 minutos a cada 2 horas, a pessoa tem que se cuidar fazendo exercícios e alimentando-se adequadamente.

Geralmente uma pessoa com paraplegia ou tetraplegia perde o controle da micção e, em muitos casos, o uso de sonda uretral é indispensável para o esvaziamento da bexiga. As dicas para manter o bom funcionamento urológico são: ingerir a maior quantidade de líquidos possível durante o dia; lavar bem as mãos antes de manipular sodas e coletores de urina e, claro, visitar sempre um urologista.

Olga – “A capacidade de amar e ser amado e o desejo à intimidade não se extinguem”, afirmou-me uma paciente. Poderia falar-nos a respeito da questão da sexualidade?

Geraldo: Nascemos para amar e ser amados. O amor é o motivo da existência. Existindo o ser, não importa em que circunstância, o amor estará presente. Sexo, sexualidade e amor são coisas diferentes. A sexualidade pode levar ao sexo. Mas a relação sexual de qualidade só é alcançada quando somos capazes de compreender e utilizar o sexo como uma das formas de comunicação da alma. Por outro lado, a alma só é capaz de manifestar-se positivamente diante da existência do amor. Portanto, supor que uma pessoa com deficiência é assexuada é um engano, um preconceito.

Ouvi algumas frases ditas por pessoas com deficiência que podem ilustrar bem o que dissemos: de um jovem que tem deficiência física congênita “não sei como é pra vocês andantes, mas pra mim, o sexo é uma coisa maravilhosa”; de um adulto com deficiência física adquirida “com a deficiência descobri que não tenho um órgão sexual, sou inteiramente um órgão sexual”.

Olga – Qual a melhor maneira de se referir a uma pessoa que apresenta alguma deficiência? Percebemos que as terminologias mudam frequentemente...

Geraldo: Quando nos referimos a determinada pessoa que tem alguma deficiência, devemos evitar nos referir à deficiência. O correto é dizer o nome da pessoa ou usar a expressão jovem, senhor, senhora etc. Quando nos referimos genericamente às pessoas que têm deficiência, a terminologia é justamente esta - pessoas com deficiência - Esta terminologia abrange todas as deficiências como, por exemplo, deficiência física, visual, auditiva, intelectual e outras.

Devemos evitar os diminutivos como ceguinho, surdinho etc. Devemos conversar normalmente, utilizando expressões como ver para os cegos, ouvir para surdos e andar, caminhar ou correr para deficientes físicos. A pessoa com deficiência não se importa que fale sobre sua deficiência ou dificuldades, pois reconhecem que estas existem e sabe que dificuldades todos nós seres humanos as temos em determinada circunstância ou situação.

Olga – Pessoas como você poderia ser considerada como visionários, obstinados, corajosos ou até mesmo loucos, pois, além de fazer “do limão uma limonada”, nos levam a beber junto, e se navegar é preciso (...) a fazê-lo com precisão... Como você se definiria?

Geraldo: Já dizia o poeta que de médico, advogado e louco todos temos um pouco. Tudo que não é comum gera estigmas. As pessoas com deficiência sempre foram tratadas de forma equivocada por não estarem presente no cotidiano da sociedade. Hoje, com a organização dos movimentos de pessoas com deficiência em busca de direitos e espaços sociais, temos tido maior participação e interação de pessoas com e sem deficiência, o que por si só é capaz de reduzir e extinguir os estigmas.

Considero-me uma pessoa comum, absolutamente comum. Tenho, inclusive, uma inteligência comum, mas tudo que alcancei de progresso no campo intelectual, material, profissional e até espiritual foi com muito esforço e persistência. Assim, posso definir-me como uma pessoa esforçada.

Olga – Em agradecimento, como homenagem, neste encontro tão esclarecedor, ofereço a poesia de Oscar Wilde, redescoberta por Marcos Lara Resende, expressando o valor da amizade, que mesmo na impermanência da vida, torna cada Encontro uma translúcida teia de emoções. Deus esteja contigo!

"Meus amigos são todos assim: metade loucura, outra metade santidade.

Escolho-os não pela pele, mas pela pupila, que tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.

Deles não quero resposta, quero meu avesso.

Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco.

Louco que senta e espera a chegada da Lua Cheia.

Quero-os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta.

Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior alegria.

Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.

Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.

Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Pena, não tenho nem de mim mesmo, e risada, só ofereço ao acaso.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem,

mas lutam para que a fantasia não desapareça.

Não quero amigos adultos, nem chatos.

Quero-os metade infância e outra metade velhice.

Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto;

e velhos, para que nunca tenham pressa.

Tenho amigos para saber quem eu sou, pois vendo-os loucos e santos,

bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que

a normalidade é uma ilusão imbecil e estéril."