Saúde
Esterilização involuntária de pessoas com deficiência.
Por: Geraldo Nogueira*
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.679 de 2023, que dispõe sobre alterações no § 6º do art. 10 da Lei nº 9.263 de 1996, que institui o Planejamento Familiar. A atual redação do dispositivo legal - art. 10, § 6º - prevê que a esterilização cirúrgica em pessoas, absolutamente incapazes, só ocorra mediante autorização judicial. No entanto, esse parágrafo da lei tem eficácia contida, necessitando, portanto, de norma jurídica regulamentadora.
Por outro vértice, o art. 3º do Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406 de 2002, alterado pela Lei Brasileira de Inclusão, Lei nº 13.146 de 2015, considera como absolutamente incapazes somente os menores de 16 (dezesseis) anos, para o que opinamos por mudanças, pois que estes têm uma incapacidade relativa e em desenvolvimento. Todavia, o PL nº 5.679 de 2023, pretende incluir também as pessoas com deficiência mental(psicossocial) e intelectual que não possam exprimir sua vontade, na redação do § 6º do art. 10 da Lei nº 9.263 de 1996, tornando obrigatória a participação do Ministério Público no processo de autorização judicial e estabelecendo para o segmento, a prioridade na realização do procedimento no âmbito da saúde.
A justificação do projeto de lei em tela foi desenvolvida com base na crença de evitar um mal maior, qual seja, o nascimento de bebês fadados ao abandono e à negligência. É nítida a transferência de responsabilidade da solução do problema às mulheres com deficiência mental e intelectual, sujeitando-as à decisão de seus tutores ou curadores, pois que para os operadores da Justiça, bastará a comprovação da condição de pessoa com deficiência mental ou intelectual que não possa exprimir sua vontade.
A esterilização involuntária de pessoas com deficiência é uma afronta aos Direitos Humanos. Ninguém deve ter o direito de ter filhos ou de decidir sobre seu próprio corpo violado por causa de sua deficiência. A esterilização involuntária macula o princípio fundamental da autonomia e liberdade individual. Além disso, instrumentaliza a deficiência como justificativa para limitar a capacidade reprodutiva, reforçando estigmas e discriminação.
A prática da esterilização involuntária é internacionalmente repreendida, inclusive pela Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e à Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Istambul. Ademais configura violação a norma constitucional brasileira, ao transgredir os arts. 12 e 23 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e, dentre outros, o texto do PL conflita com o art. 6º da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), visto que desconsidera os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência, em especial de mulheres com deficiência mental e intelectual.
A abordagem discriminatória que restringe o direito de pessoas com deficiência à maternidade ou a paternidade é injusta e baseada em estereótipos que agravam o capacitismo. A capacidade de ser um pai ou mãe com maturidade, não deve ser avaliada com base apenas na condição física ou mental de uma pessoa, mas sim em sua habilidade de proporcionar um ambiente seguro e amoroso para seus filhos. Como dizer que pessoas com deficiência intelectual ou mental são incapazes para exercer a maternidade ou a paternidade, se considerarmos que pessoas sem deficiência podem ser péssimos pais? Nesses casos, iremos esterilizar também as pessoas sem deficiência que não têm capacidade de ser bons pais?
Todos os indivíduos têm o direito de exercer sua autonomia e liberdade, independentemente de sua condição física ou mental. É preciso capacitar as pessoas com deficiência mental e intelectual, preparando-as e apoiando-as no exercício de seu direito à autodeterminação. A esterilização involuntária é uma violação grave desses direitos básicos, perpetuando a marginalização, a opressão e o capacitismo contra pessoas com deficiência. Devemos lutar por uma sociedade inclusiva e respeitosa, onde todas as pessoas tenham a oportunidade de exercer sua capacidade reprodutiva.
*Superintendente de Ações para PcD da Subsecretaria de Políticas Inclusivas do Estado.