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Humor

Paquera no estacionamento

Por: Geraldo Nogueira

Voltava para casa num final de tarde de outono, quando me lembrei que necessitava comprar alguns alimentos para suprir a dispensa de casa. Manobrei o carro em direção ao antigo Supermercado Disco, que ficava em um local conhecido como Ponto Cem Réis, na Cidade de Niterói/RJ. Quando cheguei ao supermercado o dia ainda estava iluminado pela claridade que o sol oferece nos dias de outono. O local estava lotado, devido as promoções de final de mês atraindo enorme contingente de clientes.

Naquela época era difícil encontrar uma vaga de estacionamento reservada para pessoa com deficiência, pois quase não existiam. Coloquei o carro em primeira marcha e iniciei a busca por uma vaga qualquer que pudesse estacionar e desembarcar em minha cadeira de rodas. Por sorte, a última vaga no final do primeiro bloco de vagas estava desocupada e, isso, me facilitaria o desembarque, evitando que outro carro estacionasse ao lado e impedisse o meu embarque ao retornar ao veículo.

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O carro era adaptado com um dos primeiros modelos de alavancas para condução de veículo por uma pessoa paraplégica, fazendo uso somente de uma das mãos. Era uma única peça que contemplava as funções do freio, acelerador e embreagem. Na parte mais alta da alavanca havia uma bola, através da qual, com a mão direita, eu conseguia controlar todo o conjunto da adaptação. Essa bola, ao ser girada para a direita, ativava a função de acelerador e ao ser empurrada para frente, levando todo o conjunto de alavancas em direção ao painel do veículo, exercia-se a função de frenagem. Para debrear, bastava dobrar a metade superior da alavanca em direção ao piso do carro. A função de embreagem tinha o inconveniente, obrigatório, de soltar a mão da adaptação para usar a alavanca de câmbio. O uso da adaptação que exigia maior habilidade do condutor era o de arrancar o veículo em subidas muito íngremes. A manobra exigia o uso das três funções ao mesmo tempo, ou seja, segurar o freio, soltar devagar a embreagem e acelerar, tudo isso em uma só alavanca, na qual, para piorar a situação, as engrenagens mecânicas sofriam a ação de um conjunto de molas que deixava o equipamento muito pesado. Por isso, ali no estacionamento do supermercado eu precisava de atenção para estacionar. Iniciei as manobras concentrado no movimento de marcha à ré do carro, quando repentinamente notei que alguém me observava. Era uma linda moça de pele bronzeada pelo sol. Seus cabelos castanhos claros estavam amarrados em formato de um rabo de cavalo. Ela vestia uma blusa tomara-que-caia na cor verde-limão, combinando-a com uma saia estampada, rodeada de babados que lhe chegavam próximo aos torneados joelhos. Fazia uso excessivo de complementos, como pulseiras, braceletes, brincos e colar, além de um par de óculos escuros suspenso sobre sua cabeça. Ela tirava as sacolas com as compras de um carrinho do mercado, acomodando-as no porta-malas do carro.

Quando os nossos olhares se cruzaram, ela deu um sorriso de canto de boca, desviando o olhar e voltando sua atenção para as sacolas de compras. Senti um clima de paquera no ar, um discreto flerte esperando ser correspondido. Terminei a tarefa de estacionar o carro e por breves segundos voltei a observá-la. Ela colocava a última sacola de compras no carro. Notei que fazia aquilo com delicadeza e, de propósito, demorava na arrumação, debruçando-se sobre o porta malas. Esse movimento deixava a mostra parte de suas coxas bronzeadas e reluzentes na claridade excessiva daquele dia. Coloquei o banco do carro todo para trás na intenção de apanhar a cadeira de rodas que estava no banco traseiro. Demorei alguns instantes pensando como a moça reagiria ao ver-me em uma cadeira de rodas. Ela ficaria chocada ou continuaria somente a me observar sem dar importância à cadeira? Abri a porta e percebi que ela havia acabado de arrumar as sacolas no porta-malas carro e, naquele momento levava o carrinho de compras para uma área próximo a cabine do vigia. Seu caminhar parecia mais um desfile. Andava solta e ritmada, com sua saia esvoaçante sobre uma passarela imaginária. O seu exagero no vestir-se, era invisível diante de sua elegância nos movimentos. Respirei fundo e com um firme e único movimento de impulso, puxei a cadeira do banco de trás e a coloquei para fora do automóvel. A moça voltava para o seu carro e pode assistir à essa cena. Ficou confusa por alguns instantes, diminuiu as passadas e perdeu o charme. Em seguida desviou seu olhar e aumentando o compasso do seu caminhar chegou rapidamente ao carro, saindo de forma abrupta e apressada, para logo desaparecer sem mais nenhum olhar em minha direção. Fiquei chateado pelo capacitismo sofrido, mas achei tudo aquilo divertido, pois a mudança de postura da moça, com a modificação do olhar conquistador para um olhar confuso e assustado foi bem engraçado. Sem contar que ela literalmente, perdeu o rebolado e voltou para o carro quase como uma atleta de corrida concentrada nos últimos passos para chegada final da prova. Lição aprendida: algumas mulheres pensam como os homens e irão se interessar primeiro pelo seu corpo.