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A cidade no Curdistão considerada por muitos o lugar mais sagrado que existe - BBC News Brasil
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A cidade no Curdistão considerada por muitos o lugar mais sagrado que existe - BBC News Brasil

Lalish é uma pequena aldeia montanhosa com apenas 25 habitantes. Para os yazidis, local é como Meca é para os muçulmanos.

Conhecimento

A 125 km a nordeste de Erbil (a capital do Curdistão, uma região autônoma no norte do Iraque), fica um complexo de santuários do tamanho de uma aldeia. Lalish é o local mais sagrado do yazidismo, uma religião antiga com cerca de 700 mil seguidores em todo o mundo.

“Lalish é tão sagrada para os yazidis quanto Meca para os muçulmanos, ou Jerusalém para os seguidores do islã, do cristianismo e do judaísmo”, afirma seu diretor de relações com os visitantes, Luqman Mahmood.

O local tem 4 mil anos e também é aberto para pessoas que não sigam o yazidismo. Ele consiste de uma série de templos, com seus pináculos cônicos canelados característicos. O mais reverenciado deles contém o túmulo do xeque Adi ibn Musafir, considerado o fundador da religião.

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As origens exatas do yazidismo são controversas. Acredita-se que ele tenha mais de 7 mil anos. Ao longo do tempo, ele acabou incorporando elementos de outras religiões, como o zoroastrismo, o misticismo sufi, o cristianismo e o judaísmo.

As principais crenças do yazidismo são que existe um único Deus (“Kuda”, em idioma curdo), que criou a humanidade, enquanto todos os outros seres vivos resultaram do trabalho de sete anjos, liderados pelo anjo em forma de pavão, chamado Malak Taus.

“Outra característica importante da religião yazidi é a crença na nossa unidade com o mundo natural, que tem raízes na antiga veneração da natureza”, afirma Mahmood. “A cobra preta na porta do tempo simboliza o nosso respeito pela Mãe Natureza. Nunca matamos uma cobra, mesmo se ela for venenosa.”

A cobra é particularmente simbólica para os yazidis. Eles acreditam que a Arca de Noé teve um vazamento durante seu caminho até o repouso no pico do monte Ararat e uma serpente fechou o buraco com seu corpo, evitando que a embarcação afundasse e que todos a bordo morressem afogados.

Como os muçulmanos que viajam para Meca, os yazidis são obrigados a peregrinar para Lalish pelo menos uma vez na vida. Os que moram no Curdistão ou no Iraque devem visitar a cidade pelo menos uma vez por ano.

Os peregrinos e visitantes devem entrar no complexo em roupas modestas e andar descalços, em respeito ao local sagrado.

Dentro do complexo, uma tradição popular entre os yazidis é dar girêk (nós) em lenços de seda pendurados em volta de árvores e pilares. As diferentes cores representam os sete anjos e cada nó representa uma oração.

Os yazidis acreditam que desamarrar o nó de um peregrino anterior irá conceder àquela pessoa todos os seus desejos.

Lalish abriga apenas 25 moradores permanentes. Eles incluem um sacerdote, diversos monges, uma freira e os chamados “servidores da casa”, que são responsáveis pela limpeza, manutenção, cuidados com as florestas de figueiras, nogueiras e oliveiras da região e por recolher solo para os peregrinos. Eles afirmam que todo yazidi deve ter um pouco de solo de Lalish e carregá-lo com ele como talismã.

O solo também é uma parte fundamental dos ritos funerários dos yazidis. Ele é misturado com água sagrada de nascente e pequenas bolas de lama são colocadas na boca, nas orelhas e sobre os olhos do morto.

Moedas também são colocadas no caixão (uma antiga tradição babilônica) para que o morto tenha dinheiro para gastar no paraíso.

Azeitonas das florestas de Lalish são prensadas com os pés em barris de madeira e o óleo é armazenado em potes de argila, em uma das cavernas do complexo. O óleo é uma parte fundamental das práticas devocionais.

Os yazidis rezam voltados para o sol, pelo menos duas vezes por dia, no nascer e no pôr do sol. À medida que chega o crepúsculo, são acesas em volta do local 365 lâmpadas de óleo de oliva (uma para cada dia do ano). Elas representam o sol e a luz de Deus.

As crenças não convencionais do yazidismo geraram um longo histórico de perseguições aos seus praticantes.

“Primeiro começou no tempo de Osmã 1º [séc. 14], fundador do Império Otomano”, afirma Mahmood. “Podemos contar mais de 70 episódios de genocídio diferentes desde então, os mais recentes por Saddam Hussein (1937-2006) e por membros do Estado Islâmico.”

Mahmood prossegue contando que o jamadani – o turbante usado pelos homens yazidis – no passado era totalmente branco, mas, em Lalish, ele agora tem coloração xadrez vermelha, representando o derramamento de sangue dos yazidis.

“Vestir roupas tradicionais não é apenas sinal de respeito para os que perdemos – é também forma de manter intacta nossa cultura”, explica ele.

Sexta-feira é o dia sagrado dos yazidis, quando os membros da comunidade reúnem-se em Lalish em grandes números, para rezar e socializar-se.

“O alimento sela a relação de união”, afirma a esposa de Luqman, Edee Mahmood, que me convida para o almoço com a família.

Em uma cozinha ao ar livre, ela e outras mulheres prepararam pratos com carne de carneiro e os serviram à família, amigos e peregrinos da diáspora yazidi.

Apesar de toda a hospitalidade, Edee Mahmood conta que os yazidis não se consideram uma comunidade inclusiva, já que eles não aceitam conversão, nem casamento com pessoas de outras religiões.

“Se mantivermos o yazidismo puro, podemos manter nosso modo de vida”, explica ela. “Isso mantém nossas almas em paz e significa que somos capazes de suportar tudo o que vier ao nosso encontro.”

“Sem raízes profundas, a árvore logo irá cair. O mesmo ocorre com o yazidismo.”