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Cultura & Entretenimento

Como a Engesa quebrou?

Você sabia que o Brasil já foi fabricante do melhor tanque de guerra do mundo?

No início dos anos 80, o Exército Brasileiro necessitava de um veículo blindado sobre largartas para ser seu principal tanque de batalha, conhecido como MBT – Main Battle Tank.

À época, a ENGESA (Engenheiros Especializados S/A) era a maior indústria de blindados da América Latina, especializada em veículos leves sobre rodas (produziu 7.000 veículos, entre eles o EE-9 CASCAVEL e o EE-11 URUTU).

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O Brasil figurava então entre os maiores exportadores de armamentos (5 mil unidades), e a Engesa vendia seus produtos, principalmente, para o Oriente Médio.

O EB solicitou em 1982 que a Engesa projetasse um MBT para as suas necessidades. A aquisição estaria assegurada dentro de certos parâmetros. Assim, apresentou 2 condições tidas como essenciais para o adequado deslocamento pelas rodovias, pontes e ferrovias do País.

A primeira condição era de que o veículo não deveria ultrapassar o peso de 36 ton, que seria mesmo ideal para um tanque leve e não um MBT. A segunda condição era relativa à largura, no máximo de 3,20 metros, que era o limite das ferrovias brasileiras.

Talvez o EB estivesse mais interessado no aspecto de custo de manutenção e estivesse premido por uma atribuição defensiva, de não intervenção externa, campo que aí sim seria mais apropriado para um MBT.

Nesse quadro, e pensando ter tido negociações satisfatórias com o EB, a Engesa determinou a seus engenheiros que desenvolvessem um projeto de MBT de 42 ton, vindo a investir US$ 50 milhões ao todo.

Isso serviria para mantê-lo próximo ao primeiro time internacional (de pesos entre 44 e 65 ton), já que também estaria interessada em uma mega concorrência que seria aberta na Arábia Saudita.

Como o requisito de peso não foi obedecido e ainda havia ao fundo pesadas mudanças políticas, o MBT EE-T1 Osório nem chegou a pertencer ao Exército Brasileiro, embora pudesse ter vindo a receber 1 Osório a cada 10 vendidos à Arábia Saudita, caso a Engesa tivesse vencido tal concorrência.

Mas isso tudo foi naquela época. Como ele é até hoje considerado por muitos como um dos melhores Carros de Combate que já existiram, pode ser que o próprio EB ainda venha a anunciar a construção de uma nova versão do Osório para se livrar da eterna dependência externa, mas ciente do desafio da inovação e enfrentando seus custos.

Por um lado, um MBT desse porte seria um ponto forte nas melhores concorrências para exportação a diversos Países. Por outro lado, era um salto muito arriscado para uma empresa que já se destacava em um nicho de mercado mais simples, blindados leves sobre rodas.

A empresa investiu sozinha US$ 100 milhões entre a concepção e os 3 primeiros e únicos protótipos (P-0, P-1 e P-2). O MBT EE-T1 Osório, nome dado em homenagem ao patrono da Cavalaria do Exército Brasileiro, tinha um design bastante avançado e sofisticado, com excelentes poder de fogo e mobilidade.

A tecnologia obtida junto a fornecedores de diferentes origens era a melhor da época. Tanto que já contava com computador no controle de tiro, telêmetro laser e todo o sistema de armas era de primeira linha.

O EE-T1 Osório foi oferecido ao mercado em 2 versões, as quais visavam atender a clientes de patamares financeiros diferentes A versão com canhão de 105 mm, mais acessível, seria a versão padrão para o Brasil.

A versão com canhão de 120 mm e optrônicos mais avançados seria a direcionada para a concorrência da já rica exportadora de petróleo Arábia Saudita. O P-2 deveria ter recebido o nome EE-T2, mas isso nem chegou a acontecer, formalmente, tendo recebido um nome árabe, que era Al Fhad.

Em termos táticos, tinha a vantagem de possuir uma silhueta baixa, o que somente o revelava ao inimigo a uma distancia inferior a 1 milha. Devido à poderosa e inovadora blindagem, seu baixo peso e motorização excelente lhe conferiam a melhor mobilidade da época nos mais adversos terrenos, próprio para engajamento a longas distâncias.

Com o desinteresse do EB, a empresa procurou vendê-lo à Arábia Saudita como última e decisiva cartada. Teriam sido duas encomendas com 702 unidades, com um valor de US$ 7,2 bilhões, após vitória em dura concorrência contra os melhores MBTs do mundo, à época. Essa disputa praticamente tinha apontado o Osório como o melhor MBT do mundo e ainda por cima mais barato.

O Osório perto dos concorrentes era muito melhor.

A Engesa fixara a preparação do primeiro protótipo para um ano após o início do projeto. Para ganhar tempo, eles entregaram o desenvolvimento da torre à Vickers, inglesa, sob a supervisão de engenheiros brasileiros, enquanto que o chassi era desenvolvido nas dependências de uma filial da Engesa em São José dos Campos, São Paulo.

Simultaneamente, testes de blindagem eram realizados no CTA (Centro Tecnológico Aeroespacial), com a utilização de canhões de 25 mm suíços, comprados pela própria Engesa, em túnel balístico com modelos reduzidos de blindagem e aumento de velocidade dos projéteis, imitando-se assim o disparo de armas de 105mm e 120mm.

O primeiro chassi ficou pronto antes da torre, em setembro de 1984. A Engesa então acoplou-lhe uma torre falsa e o submeteu a testes de resistência, rodagem e ensaios dinâmicos, a fim de consertar defeitos no conjunto. Os que foram descobertos foram sanados, e os parâmetros da suspensão hidropneumática, acertados.

Em maio de 1985 chegou a “torre padrão” equipada com o canhão 105mm raiado. Ela foi imediatamente acoplada ao chassi e testada. Em Julho deste mesmo ano, o Osório seguia para a Arábia Saudita a bordo de um 747 para seus primeiros testes no deserto. A intenção era enviar o protótipo com torre de 120mm (ainda não terminada) contudo os outros concorrentes já estavam apresentando seus modelos e a Engesa decidiu-se por levar o protótipo que já tinha, para analisar o desempenho do chassi no deserto. Lá, encontrou-se com o britânico Challenger que também estava em fase de testes. O desempenho do Osório foi positivo, revelando deficiências em especial no motor, mas eram falhas sanáveis. A equipe voltou ao Brasil contente com estes testes.

O Exército colaborava, e o CTEx (Centro Tecnológico do Exército) mantinha uma ligação com a equipe, mantendo engenheiros junto à Engesa, que a instruíam principalmente sobre a manutenção. A fábrica do motor efetuou modificações no propulsor que resolveram os problemas apresentados no deserto. Nisso, o Exército Brasileiro iniciou vários testes com o Protótipo equipado com a Torre Padrão.

Os testes foram para elaboração do RTEx (Relatórios técnicos experimentais) e RTOp (Relatórios técnicos operacionais), testes elaborados para avaliar-se o que for necessário em um veículo. O protótico foi aprovado pelo Exército Brasileiro após estes testes, que foram:

* Rodagem de 3.269 Km, sendo 750 no campo de provas da Marambaia – RJ (Terreno acidentado), além de tiro, 50 disparos no total. Os resultados empolgaram os militares brasileiros.

Em princípio de 1986, a Vickers entregou a segunda torre, com canhão de 120mm. Imediatamente foi incorporada ao chassi e testado em RTEx e RTOp. Como seu predecessor, foi aprovado com louvor. A próxima fase era analisar o seu desempenho frente aos seus concorrentes.

Atuação no deserto e sucesso inicial

Em Julho de 1987, o protótipo com o canhão de 120mm seguiu para a Arábia Saudita, para a nova fase da competição. Os quatro veículos se confrontariam em vários testes. Os veículos eram: O Britânico Challenger [1], o Americano M1 Abrams [2], o Francês AMX-40 [3] e o Brasileiro EE-T1 Osório.

Os testes consistiam em:

* 2.350 Km de rodagem, sendo 1750 Km em deserto. A guarnição que operaria o tanque era do Exército Saudita, escolhida por sorteio. Neste teste, analisar-se-ia também o consumo de combustível que deveria ser no máximo de 2,1 Km/l em deserto e 3,4 Km/l em estrada.

* Rampas: Superar trincheiras de 3m de largura; arrancada, partindo do repouso em rampa de 65% de inclinação, rodar em rampa lateral de inclinação 30%, aceleração e frenagem no plano e em rampas.

* Resistência e manutenção: Remoção e colocação de lagartas em 40 minutos (10 para a retirada, 30 para a colocação), 6 horas com motor em funcionamento constante e veículo parado, 6 Km de marcha-a-ré e reboque de um carro de combate de 35 ton por 15 Km. O Osório rebocou o Abrams, muito mais pesado do que 35 ton.

* Tiro: 149 disparos. 82 com veículo e alvo estacionados a 4000m de distância; os demais com veículo estacionado e alvo em movimento e veículo e alvo em movimento a 1500m de distância.

Foram reprovados os dois veículos europeus na disputa (O Challenger e o AMX-40), e o Osório, juntamente com o Abrams foram declarados passíveis de compra. Sendo que, aparentemente o que mais impressionara nos testes fora o Osório, mostrando-se superior ao Abrams, e mais barato.

A euforia brasileira foi enorme. O contrato chegou a ser preparado com previsão de se construir inclusive uma linha de montagem na Arábia Saudita. Militares Sauditas vieram ao Brasil para receber treinamento em tecnologia de blindados. O Exército Brasileiro estava exultante, pois o contrato incluía no preço final um acréscimo de 10% para o Exército Brasileiro (assim, a cada dez unidades vendidas para os sauditas uma seria entregue ao Exército Brasileiro, paga pelos Árabes). O negócio era da ordem de bilhões de dólares. Cada unidade do Osório de série custaria 1,2 milhões de dólares.

Em 1988 em Abu Dhabi, o Osório tornou a derrotar os mesmos três adversários acrescidos do C-1 Ariete Italiano, mostrando sua competência. Os únicos veículos de sua categoria contra os quais o Osório não competiu foram os tanques russos. Como a guerra fria vingava, não havia muitos tanques russos para se fazer comparativos.

Para atender a essa futura demanda, a Engesa planejava expandir seu parque em cerca de 1.200 metros quadrados, aumentar seu maquinário, expandir seu quadro em 500 ou mais funcionários, trazendo empregos, divisas e tecnologia. A vitória e as vendas para os sauditas eram dadas como certas, e uma pré-série começava a ser construída, para exportação. Outros mercados ainda eram sondados: O Iraque se interessou no veículo, tendo inclusive o ministro da defesa iraquiano vindo ao país para conhecer o carro.

Ataque Politico Americano

Finalmente, os Estados Unidos agiram, alegando que o Brasil não respeitava acordos internacionais e, principalmente, que negociava com nações tidas como inimigas, fizeram com que a Arábia Saudita hesitasse em fechar o acordo com a Engesa. Hesitação que se tornou recusa com a eclosão da operação Tempestade no Deserto contra o Iraque em 1991, fazendo com que os laços entre os Estados Unidos e a Arabia Saudita se estreitassem de tal forma, que os sauditas decidiram ignorar a capacidade bélica demonstrada pelo EE T1 Osório e assinar o acordo com seu principal aliado, os próprios Estados Unidos.

Dada a natureza da empreitada, dos obstáculos enfrentados e, principalmente, pelo risco de se investir quase todos os seus recursos num projeto voltado para compradores estrangeiros, a Engesa acumulou várias dívidas. Mas, nesse momento, demonstrou-se os verdadeiros riscos da empreitada: a não disposição do governo brasileiro em investir nesse ramo e a conseqüente falta de compradores para o EE T1 Osório.

A falta de disposição do governo brasileiro demonstrou-se, principalmente, pela pequena atuação tanto na política em prol do produto, tanto quanto na ajuda financeira diante da situação precária da Engesa. A ausência de dinheiro para o Exercito Brasileiro em adquirir o EE T1 Osório foi interpretada pelo mercado como sendo, na verdade, uma falta de interesse do mesmo no produto. Levando a conclusão de que se nem o próprio Exercito Brasileiro compra o tanque, então os compradores de outros certamente não iriam comprá-lo. O primeiro Osório de pré-série foi vendido como sucata, seus equipamentos devolvidos (canhão, optrônicos, motor, transmissão…) aos fabricantes para aliviar as dívidas. Patrimônio foi vendido e em 1993 a Engesa faliu. Era o fim da linha.

Créditos: Luis Nassif - GGN

Tags: Engesa, Tanques, Osório