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Opinião

A rua da Tijuca

Por Angela Rocha - Jornalista e escritora.

A rua da Tijuca sempre acordava cedo para ver o surfista de olhos azuis sair com a sua prancha pendurada no carro para a longa viagem até o mar. Sorria ao ver as crianças de uniforme indo para a escola. Observava os porteiros dos prédios varrendo as entradas. E, sentia o cheiro do pão quentinho do padeiro que passava de porta em porta, de bicicleta.

Foi a rua da Tijuca que viu as primeiras brincadeiras de crianças, os jogos de amarelinha desenhados no chão com giz. O chá de bonecas. Os jogos de queimado e o famoso esconde-esconde. Era ela a senhora dos melhores esconderijos. Só ela conhecia o cantinho embaixo da escada e o muro transponível que separava o prédio da esquina do outro.

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Com o passar dos anos, a rua da Tijuca foi observando mudanças ou pequenas adaptações nas brincadeiras. As bonecas não tomavam mais chá: desfilavam em passarelas da moda com roupas customizadas. Começaram a se formar pequenos grupinhos ou duplas de amigas “Forever”....e o famoso pique -esconde passou a ser noturno....e ela precisou passar a dormir mais tarde para tomar conta daquela garotada.

De repente vieram as festinhas. As Barbies foram esquecidas nos armários. E com um olho aberto e outro fechado, a rua da Tijuca emocionou-se ao ver o primeiro beijo roubado ao som de “you are eveysthing” , The Stylistcs. As coisas estavam mudando rápido e ela precisava estar atenta....

O som que vinha das vitrolas começou a seguir por um caminho, digamos, mais rebelde. Na rua da Tijuca as músicas estrangeiras começaram a dar lugar a Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil...

Viu espantada duas de suas crianças, agora com 16 anos, saírem sozinhas para uma viagem de ônibus até Porto Alegre. Pode ver o olhar de preocupação estampado no rosto dos pais na porta dos prédios em contraste com a firmeza e confiança das meninas entrando no carro. Estavam crescendo rápido demais as meninas da rua da Tijuca.

Viu doenças, mortes, nascimentos. Gente saindo e gente nova chegando. As festinhas de carnaval se mudaram de suas calçadas para os clubes do bairro. Sentiu falta de ver o chão todo coberto de confetes e serpentinas. A rua da Tijuca resistia a ideia de que não era mais a mesma.

Até os trabalhos de grupo do colégio, que aconteciam sempre nas mesmas casas e com muita gritaria e bagunça, deram lugar a grupos de estudo para o vestibular. Silenciosos e até tensos. Foi um ano de recolhimento.

O esforço valeu a pena! Ficou cheia de orgulho quando foi escolhida como o espaço das comemorações. Foi um ano especial o de 1978. Várias de suas crias passaram no vestibular. A rua da Tijuca foi o palco dos abraços, choros e risadas. Teve de tudo: comunicação social,enfermagem, odontologia... Era o futuro chegando e trazendo boas e más notícias.

As boas notícias, claro, eram as faculdades, as profissões. As más eram lares desfeitos, preços de aluguéis aumentando, as antigas e elegantes casas sendo derrubadas para dar lugar a prédios iguais e sem graça. E eles, os caminhões de mudança.

A rua da Tijuca odiava aqueles malditos caminhões de mudança. Cada um deles levava uma família inteira. Levava suas crianças que agora já eram jovens promissores. Levava seus sonhos. Levava todas as suas certezas.

Como ia fazer depois para saber das suas vidas? Será que aquele primeiro namoradinho virou marido? Seguiu na mesma profissão ou trilhou outros caminhos?

Mas o que fazia a rua da Tijuca feliz mesmo era poder ver, depois de anos, um antigo morador voltar já adulto, com seus filhos no carro e passear por ela...

Ela jura que podia até ouvi-los dizer:

- Papai morou aqui por anos...construiu muitas lembranças boas.

E pensar em voz alta: “Ainda bem que esta rua não fala”...

E não fala mesmo. A rua da Tijuca guarda, com ela, todos os nossos Segredos.

Quem recorda o nome da sua primeira rua?

Tags: Tijuca, Rio