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Defenda o amor
Para o filósofo francês Alain Badiou, o amor romântico é "a maneira mais poderosa conhecida pela humanidade de ter um relacionamento íntimo com o outro".
O amor, ele acredita, cria um estado de dependência que é um contrapeso importante à ênfase da modernidade na individualidade.
Neste curta-metragem do diretor William Williamson, Badiou argumenta que a abordagem atual dos relacionamentos, com sua tendência consumista de se concentrar na escolha e na compatibilidade, e o refrão arraigado de seguir em frente quando as coisas não são fáceis, precisa ser revista e combatida, num acerto de contas com a forma como pensamos sobre o amor.
Para tornar esse argumento muito específico, Badiou aponta para a crescente prevalência de serviços de namoro online que pretendem oferecer correspondência algorítmica de parceiros, uma maneira de buscar amor que, segundo ele, drena o amor de uma de suas qualidades mais vitais - o acaso.
O curta possui áudio original em francês e legendas em inglês. Mas você pode ler abaixo a transcrição em português.
" As vezes eu penso: se o amor não existisse sobre o que as pessoas falariam?
O amor é um dos sentimentos subjetivos mais fortes que existem.
Todo mundo sabe, é por isso que nos livros, nas peças e tragédias ele é a força condutora.
Você deve ter interesse por tudo onde ele aparece, nas grandes paixões da humanidade.
Isso significa que os maiores compromissos dos seres humanos, por qualquer motivo, vão além das necessidades imediatas do homem.
São nessas grandes paixões que a humanidade cria seu futuro e é lá que ela pode sair do seu estado atual e criar algo novo.
Então, isso é algo que merece que façamos essa simples pergunta: onde estamos hoje com a questão do amor?
- EM DEFESA DO AMOR
Hoje é necessário defender o amor.
O amor é a forma mais poderosa que a humanidade conhece de se ter um relacionamento íntimo com o outro.
Coloca você em um estado de dependência de outro.
O que é fundamentalmente contra o individualismo moderno.
Se a única motivação para a ação humana é satisfazer seus desejos e interesses, então essa é a ideia dominante do mundo moderno.
Se essa é a natureza humana, o amor realmente é visto como um perigo.
Devemos ter cuidado com o amor e, em particular, o que acontece nos sites de namoro.
Onde tentamos garantir um encontro romântico com antecedência, garantindo que qualquer pessoa que você conheça seja igual a você.
Eles têm os mesmos gostos, os mesmos desejos e a mesma determinação.
Eu acho que vai contra a própria definição de amor.
Porque isso significa que não há elemento de aventura, que não há riscos. A satisfação mútua deve ser garantida, como algum tipo de contrato comercial e que acho que é uma séria ameaça ao amor.
Você precisa defender o amor como uma aventura real e arriscada contra essa visão individualista e até egoísta.
Porque a verdade é que o amor não pode ser reduzido ao egoísmo individualista.
- O RISCO DO AMOR
O amor é, de certa forma, uma lição de coragem.
Em casamentos arranjados, não há risco.
O mesmo com sites de namoro.
Você tenta evitar riscos.
Evitando riscos, calculando como maximizar um relacionamento com outro.
Penso que toda criação, toda verdade com algum significado real está sempre ligada a um evento.
Qualquer outra coisa é apenas uma consequência normal do mundo cotidiano.
Não é uma criação nem uma invenção, apenas uma continuação.
O que significa começar algo?
Se você deseja considerar algo que está começando, deve considerar que existe um elemento do acaso.
Se não houver chance envolvida, não será um começo, porque é algo que já existe e é pré-determinado.
Então, quando me concentro no risco, concentro-me no fato de que o amor, como criação, como invenção está intimamente ligado a um encontro.
Um encontro que é arriscado.
E pode ser um encontro com pessoas de mundos completamente diferentes.
É exatamente por causa do papel que o acaso desempenha que o amor pode ter uma dimensão criativa, que o amor pode ter uma dimensão criativa que é realmente interessante e universal.
Amor, amor verdadeiro, torna possível o que antes era impossível.
- A VERDADE DO AMOR
O mundo individualista moderno é um mundo que apresenta a humanidade como uma coleção de entidades únicas.
Cada um é um.
Em seu sentido mais puro, o amor é essa passagem de um para dois na experiência da própria vida.
O amor cria uma perspectiva e uma existência no mundo que não é do ponto de vista de um, porque é a perspectiva de dois.
A passagem de um para dois é uma revolução.
Uma grande revolução.
É como se estivéssemos colocando as coisas em perspectiva, como se de repente o mundo tivesse uma dimensão extra e se tornasse uma experiência absolutamente fundamental, porque nos mostra que a verdade do mundo é de fato sustentada pelas multidões e não somente pelo átomo que é você.
Muitas pessoas desistem do amor.
As pessoas não entendem com clareza suficiente que o amor é uma criação.
Uma tendência moderna, quando há um obstáculo, é deixar ir e passar para outra coisa.
Se decidirmos que assim que algo se tornar difícil devemos desistir nos contentaremos com uma vida desinteressante.
Não nego a existência de tristeza amorosa.
Abandono ou decepção podem ser emoções terríveis.
Mas se, por causa disso, você renuncia ao amor, rejeita a maior experiência que pode ter em sua existência.
"Tudo o que é verdadeiro é raro e difícil".
Infelizmente isso é verdade ".
Fonte: Aeon / NOWNESS
Diretor curta: William Williamson
Tags: amor, individualismo, filosofia, Alain Badiou, egoismo, relacionamento