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Opinião

A vingança contra a Lava Jato: agora só falta cassar (ou prender) Moro

Por Mario Sabino

Era esperado, embora não torne a coisa menos espantosa. O ministro Dias Toffoli anulou as provas do acordo de leniência da Odebrecht, homologado em 2017, pedra angular no âmbito da Lava Jato. Isso significa que todos os casos envolvendo essas provas terão de ser analisados pelos respectivos juízes, para verificar se os processos continuarão a ter andamento, por meio de outro material probatório, ou serão arquivados. Aposte no arquivamento amplo e irrestrito. Quanto às sentenças já proferidas e à dinheirama devolvida pelos ladrões, pergunte ao STF.

Na sua decisão destemida no tom político, o ministro afirmou que a prisão de Lula pode ser considerada “um dos maiores erros judiciários da história do país”, mas “foi muito pior. Tratou-se de uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem”.

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Em seu juízo fecundo, ele também pôs um ovo no meio do caminho. Disse que a Lava Jato revelou-se “o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF. Ovo esse chocado por autoridades que fizeram desvio de função, agindo em conluio para atingir instituições, autoridades, empresas e alvos específicos” (“Ovo da serpente” é uma expressão que Shakespeare colocou na boca do traidor Brutus, na peça Júlio César).

Em um dos trechos mais dramáticos do esculacho, o ministro afirmou que a Lava Jato fez mal até à saúde dos coitados dos réus. “Atingiram vidas, ceifadas por tumores adquiridos, acidente vascular cerebral e ataques cardíacos, um deles em plena audiência, entre outras consequências físicas e mentais.”

Depois de resolver que a maior operação anticorrupção da história brasileira não passou de uma farsa, Dias Toffoli determinou que fossem apontados os “eventuais agentes públicos que atuaram e praticaram os atos relacionados” ao acordo de leniência da Odebrecht e que fossem adotadas “as medidas necessárias para apurar responsabilidades, não apenas na seara funcional, como também nas esferas administrativa, cível e criminal”. Ou seja, quem investigou será investigado e, no limite, quem mandou prender será preso.

Sempre diligente, o ministro da Justiça, Flávio Dino, pré-candidato ao STF, apressou-se em dizer que vai pôr a PF no encalço dos suspeitos — aquela mesma PF que está “a serviço da causa de Lula”, como ele próprio frisou no dia anterior. Ato contínuo, o advogado-geral da União, Jorge Messias, igualmente pré-candidato ao STF, montou uma força-tarefa para ir atrás da rapaziada da Lava Jato.

Não poderia ser mais perfeito. Inclusive porque, como a decisão de Dias Toffoli desceu, e como desceu, ao mérito da prisão de Lula, os petistas não incorrerão em total falsidade jurídica ao dizer que o seu chefe foi inocentado pelo STF. Deveriam estar muito agradecidos a Jair Bolsonaro, a serpente que propiciou a ovada a que assistimos.

A partir de agora, as relações do ministro com o presidente da República serão gradativamente restabelecidas na sua beleza hierárquica. Lula ficou profundamente magoado com o fato de Dias Toffoli não ter autorizado que ele saísse da prisão, em Curitiba, a tempo de ir ao velório do irmão Vavá, mas a caneta certa no momento exato cura feridas.

O despacho apaixonado do ministro é o derradeiro episódio do aniquilamento da Lava Jato? Nada. Ao que tudo indica nesta cada vez mais previsível democracia, teremos a cassação do mandato de senador Sergio Moro pela Justiça Eleitoral. A cassação do mandato de deputado de Deltan Dallagnol não foi suficiente para saciar o desejo de vingança em Brasília.

Há ainda a enorme a possibilidade de que o final da Lava Jato seja arrebatador ao estilo dos filmes de Quentin Tarantino, com o ex-juiz e o ex-procurador sendo condenados à prisão, haja vista que o veredicto foi avançado pelos epítetos de Dias Toffoli. Quando estava em cana, Lula dizia: “só vou ficar bem quando foder com o Moro”. Hoje, para executar o serviço, ele conta com gente de notório parecer jurídico nos ministérios.

O que se tem a concluir disso tudo já foi exarado séculos atrás. “A única salvação dos vencidos é não esperar salvação nenhuma”. Está na Eneida, de Virgílio. Outra versão: “Para os vencidos, o bem se transforma em mal e o mal em pior”. Está em Dom Quixote, de Miguel de Cervantes.

Veja aqui:

https://www.metropoles.com/colunas/mario-sabino/a-vinganca-contra-a-lava-jato-agora-so-falta-cassar-ou-prender-moro