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Conheça Eufrásia Teixeira Leite: a primeira brasileira a investir na Bolsa de Valores, na virada do século XIX para o XX

Nascida em 13 de abril de 1850, em Vassouras, cidade localizada no Vale do Paraíba do Sul Fluminense, Eufrásia Teixeira Leite foi uma mulher à frente do seu tempo, a primeira brasileira e uma das primeiras mulheres do mundo a investir na Bolsa de Valores, na virada do século 19 para o 20. Muitas pessoas devem se perguntar como Eufrásia realizou essa proeza numa época em que mulheres nem podiam votar. No Brasil, até 1962 a mulher tinha que ter o consentimento do marido para ir trabalhar.

Após a morte dos pais em 1872, Eufrásia passou a administrar, com um talento invejável, a herança que ela e a irmã Francisca Bernardina haviam recebido. Em 1873, Eufrásia partiu jovem e rica para viver em Paris com a irmã. Filha do importante comissário de café da região Joaquim José Teixeira Leite, Eufrásia acumulou uma fortuna impressionante e fez com que o patrimônio se multiplicasse.

Eufrásia viveu da maneira que quis devido a sua emancipação financeira, nunca se casou nem teve filhos. A herdeira e investidora financeira de sucesso trabalhava com 17 países e 9 moedas diferentes. Na Bolsa de Paris, mulheres só podiam assistir ao pregão no segundo andar. Eufrásia tinha um agente, Alberto Guggenheim, que pegava as ordens e descia para executar na roda de negociação, onde só homens entravam. Eles trocaram cartas tratando de negócios até a morte da rentista. Ela tinha total controle da gestão do seu patrimônio e tinha muita influência.

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De Paris, ela mandava instruções a dois empregados que conservaram a mansão onde morou com os pais, em Vassouras, praticamente fechada, por quase cinquenta anos. Eufrásia somente voltou ao Brasil 55 anos depois, em meados de 1920, já no final da vida e após a morte da irmã. Ainda mais milionária, ela passava temporadas na residência dos falecidos pais. Houve uma visita de Eufrásia ao Brasil, em 1884/85, para acompanhar a candidatura de Joaquim Nabuco, com quem namorou, e visitar a família.

Eufrásia, que morreu em 1930, deixou praticamente todo o seu patrimônio para entidades filantrópicas. Ela foi tão bem-sucedida que o inventário de sua fortuna levou 22 anos para ser concluído. O seu portfólio de investimentos era complexo. A investidora fez um curto testamento, 15 dias antes de morrer.

Para a família, apenas três primos ficaram com alguns Títulos da Dívida Pública Federal. Eufrásia deixou uma parte maior de sua fortuna para seus funcionários, na forma de casas e apólices para garantir renda para eles até o fim da vida. Para espanto de todos durante a leitura do testamento, a maior beneficiária foi a cidade de Vassouras. Até os mendigos locais dividiram entre si 20 contos de réis (os do quarteirão, onde morou em Paris, ficaram com 20 mil francos). O grosso do dinheiro, na forma de propriedades, como o hotel particulier de cinco andares numa travessa da Champs-Élysées, em Paris, e milhares de títulos públicos e ações de empresas ao redor do mundo, foi destinado a instituições de caridade ligadas à Igreja Católica. A casa e as terras da chácara foram herdadas pelo Instituto das Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus.

O Instituto das Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, o Colégio Santa Rosa de Niterói (da Ordem dos Salesianos) e a Santa Casa de Misericórdia de Vassouras tinham a obrigação de preservar a Casa da Hera, erguer dois colégios para meninos e meninas - com 50 vagas para jovens carentes — e um hospital. A soma do patrimônio legado só ficou clara no fim do longo inventário: o equivalente a duas toneladas de ouro. Parte das aspirações da filantropa foi atendida. A escola de meninas e a unidade de saúde saíram do papel. O Hospital Eufrásia Teixeira Leite foi referência na região, mas hoje seu atendimento é precário e está atolado em dívidas trabalhistas. O Instituto Masculino não se concretizou como Eufrásia desejava e virou uma unidade com cursos pagos de mestre cervejeiro do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). Em 1991, as freiras fecharam os portões do Instituto Feminino.

Em 1952, o Ministério de Relações Exteriores conseguiu que a Casa da Hera fosse tombada como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como expressão do cotidiano de uma família rica de fazendeiros e comissários de café do século XIX. O palacete de 22 cômodos e com 33.000 m² de área verde com imponentes palmeiras imperiais, onde ela morou com os pais e a irmã, foi conservado e virou museu, em 1968.

No casa, há um acervo de objetos pessoais, mobiliário, livros, cartas, documentos, entre outros. A maior parte do acervo é original, mas alguns artigos foram doações ou aquisições do museu em leilões de peças ligadas à história da família. Além do mobiliário, da louça de porcelana, da prataria, dos quadros, dos lustres, o museu possui uma vasta coleção de indumentária. Os trajes são franceses ou correspondem ao padrão de moda francês das últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX. São vestidos de festa, trajes para passeio, montaria, roupas para dormir, além de acessórios como sapatos, sombrinhas, chapéu e leques. A coleção de Eufrásia assinada por Charles Worth, considerado o pai da alta-costura, é composta por oito peças: dois hobbies, quatro casacos e um traje de montaria composto por saia e jaqueta. Os sessenta e quatro itens de indumentária fazem do museu um dos mais importantes em moda no Brasil.

A biblioteca do museu possui cerca de 1.000 livros e 3 000 periódicos do século XIX. A maior parte do acervo bibliográfico é de livros técnicos de contabilidade e negócios que pertenceram ao pai de Eufrásia. Há ainda outras maravilhas, como: o piano Henri Herz, raro exemplar do século XIX, pois só há um outro igual em Estrasburgo, na França, e o quadro de maior destaque da casa, que é o retrato de Eufrásia, em óleo sobre tela, de Carolus Duran, produzido em Paris em 1887.

Eufrásia deixou dois legados. O primeiro e tangível é a herança para a sua cidade natal, que se desfez pela má gestão ou por ter sido objeto da ambição de empresários e políticos. O segundo legado é intangível: a referência que sua autonomia e inteligência podem representar em uma sociedade ainda machista.

Solteirice, má fama, mitos e lendas:

A má fama de Eufrásia, algo irrelevante perto de suas grandes realizações, é enviesada por um machismo implícito. A investidora pioneira estava mais para coadjuvante na biografia do jornalista, político e diplomata Joaquim Nabuco do que para uma heroína com independência financeira. Eles namoraram por 14 anos, eram jovens e ele não era casado. Mas Eufrásia foi considerada e vista como a "eterna amante" do líder abolicionista e fundador da Academia Brasileira de Letras. Diziam que as palmeiras da Casa da Hera foram plantadas para cada um dos amantes da investidora.

Há vários mitos, lendas e inverdades que envolvem o nome de Eufrásia. Mas devido a pesquisas realizadas, muitos foram derrubados. Na terra dos "barões do café", a pintavam como uma mulher excêntrica, que deixou dinheiro para o burro Pimpão viver à base de pão de ló. Ele existiu, mas o nome era Pinhão, da cor avermelhada do fruto, e não recebeu herança e nem pão de ló. Ele só é listado no inventário como uma das posses de Eufrásia.

Outra lenda disseminada era a de que Eufrásia nunca havia se casado para atender a um pedido do pai, temeroso de que um casamento fracassado das filhas acabasse com o patrimônio. Essa versão tem a mucama Cecília Bonfim como testemunha do pedido do pai. Mas Cecília não tinha nem nascido. Essas variantes mais dramatizadas de sua solteirice escondem uma realidade mais simples: Eufrásia tinha total autonomia para tomar essa decisão. No caso do namoro com Joaquim Nabuco, segundo episódio mais narrado de sua vida, eles começam a se afastar a partir de 1885, depois que ele se ofendeu com a oferta de dinheiro da namorada para montar um jornal abolicionista. Eles romperam de vez em 1887. Nessa época, Eufrásia já tinha multiplicado algumas vezes a herança do pai. Se casassem no Brasil, como desejava Nabuco, a lei estipulava que os bens de Eufrásia teriam que passar para o nome e controle do marido. Se o casamento fosse em Paris, ela manteria seu patrimônio. Não se sabe ao certo o quanto isso influenciou, porém, não se pode ignorar as entrelinhas desse episódio. Dois anos depois, Nabuco se casou com Evelina Ribeiro, filha do barão de Inoã, de quem recebeu um dote, que ele acabou perdendo ao investir na bolsa da Argentina.