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Bullying pode gerar sentimentos que resultam em morte, dizem especialistas | O TEMPO
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Bullying pode gerar sentimentos que resultam em morte, dizem especialistas | O TEMPO

Apesar de a prática em si não causar assassinatos, sentimentos mal-elaborados provenientes dela podem gerar ondas de violência, afirmam estudiosos

Saúde

“Eu sempre sofri bullying na escola e não morri”. Se, por um lado, essa frase é constantemente utilizada nas redes sociais para minimizar os efeitos das agressões físicas e psicológicas na vida de crianças e adolescentes, por outro, acontecimentos recentes e especialistas alertam: o bullying, quando não recebe a devida atenção, pode desencadear sentimentos e ações que resultam, sim, em morte. Na última segunda-feira (27), um menino de 13 anos promoveu um ataque em uma escola de São Paulo, matando uma professora e ferindo outras três pessoas. Relatos de colegas dão conta de que, dias antes, esse mesmo garoto havia chamado outro jovem de “macaco”, iniciando uma briga.

Outros alunos logo contaram que o bullying no colégio é constante. Em entrevistas, pais e responsáveis afirmaram que o assunto não recebia a devida atenção, o que acabava gerando uma onda de violência e sentimentos mal-trabalhados.

De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), um em cada três alunos em todo o mundo, inclusive no Brasil, já foi vítima de bullying. Em 2019, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também fez um estudo sobre o tema. Na época, 23% dos alunos de 13 a 17 anos afirmaram que haviam sido humilhados nos 30 dias anteriores à pesquisa. Os resultados também mostram que os principais motivos para o bullying são: aparência do corpo (16,5%), aparência do rosto (11,6%) e cor ou raça (4,6%). Diante de um cenário de frustração e tristeza, 21,4% dos alunos afirmaram que sentem que a vida não vale a pena. Já 40,9% se diziam irritados, nervosos ou mal-humorados na maioria das vezes ou sempre. Em Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Educação afirma não ter dados específicos sobre o tema, mas diz promover ações de combate, com formação de profissionais e medidas voltadas para a prevenção da violência, acolhimento e resgate da autoestima.

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“É muito delicado falar que o bullying causa um assassinato. O bullying, em si, não causa morte. No entanto, ele pode desencadear sentimentos de frustração, raiva e agressividade que, quando não elaborados, geram o ato”, explica Rita Andréa Guimarães, fundadora do Instituto e Câmara de Mediação Aplicada. Para a especialista, o problema passa por um agravamento atualmente: a perda cada vez maior, por parte da sociedade, da capacidade de dialogar. Uma escuta atenta e rodas de conversa, diz ela, são ações que têm um grande valor e que merecem atenção, e não cair no desuso. Mas a “automatização” do dia a dia, com os avanços tecnológicos e a diminuição de interações mais profundas, podem estar mostrando o seu preço.

A artesã Denise Santos, de 40 anos, sabe bem a importância do diálogo para acolher as crianças e adolescentes e apaziguar conflitos. Mãe de duas meninas, de 14 e 8 meses, e de um menino de 3, ela conta que sempre conversou com os filhos, instruindo-os a respeitar os colegas e a não excluir ninguém, além de ouvi-los em suas necessidades. E foi a partir do diálogo que ela descobriu que a filha mais velha era vítima de bullying na escola. A adolescente já foi chamada de “macaca” e ouviu comentários desrespeitosos em relação ao cabelo dela.

“Como mãe, eu fico muito chateada de ver isso. No caso do ‘macaco’, eu fui à escola e conversei com a coordenadora. Era um problema recorrente, e os pais deles (dos colegas) eram chamados pela diretora”, relata Denise.

Agressão recorrente

O fato de o bullying ser uma agressão recorrente, aliás, é uma de suas principais características definidoras, o que o torna ainda mais violento. De acordo com Rita Guimarães, o bullying é algo que se repete, é dirigido a alguém em específico, com uma pulsão agressiva, muitas vezes descontrolada, com falas desmedidas. Conforme a psicoterapeuta Myrian Durante, o fato de todo dia a criança ou adolescente chegar à escola e ser submetido a isso pode ir deixando-o retraído, com vergonha, chegando até a gerar uma revolta. E essa possibilidade de “revolta”, inclusive, preocupa os pais ou responsáveis.

“Eu tenho muito medo de que algum filho meu ou outro aluno da escola queira revidar essas ‘brincadeiras’. Me assusta muito o que temos visto, porque não era comum. Não sei se isso é decorrente da internet, mas está muito mais comum. Preocupa porque a gente não sabe o que pode acontecer. A gente deixa o filho da gente bem e, por um descuido, seja de segurança ou outro, acontece algo assim”, diz a artesã Denise Santos.

Foco na ação

Para evitar resultados desastrosos, Rita Guimarães afirma que é importante ter um olhar atento a todas as crianças e adolescentes, inclusive para aqueles que praticam o bullying. Conforme a especialista, esse é um sinal de que eles também não estão bem.

“A pessoa que sofre tem que ser escutada; a que pratica, também. Alguém que resolve atacar o outro não está bem. É importante que todos conversem: pais, professores, colegas. É fundamental que exponham suas angústias, felicidades e infelicidades”, diz ela.

No entanto, nem sempre crianças e adolescentes vão conseguir colocar para fora o que estão vivendo ou sentindo. Dessa forma, diz a especialista, também é importante avaliar as mudanças de comportamento.

“Há várias mudanças de comportamento que podem ser citadas como exemplo: vontade de não ir à escola, faltar às aulas, queda de rendimento, tristeza, inibição. São muitos os sinais que indicam que um jovem está sofrendo”, afirma Rita Guimarães.

Além disso, fiscalizar o que as crianças e adolescentes fazem é essencial, além de mostrar que os atos têm consequências, segundo a psicoterapeuta Myrian Durante. “Muitas vezes, a família não fiscaliza. Onde estão os responsáveis que não vão olhar o que o jovem está fazendo no computador, por exemplo?”, questiona ela, que afirma, ainda, que muitos cometem bullying ou até atos de violência por sentirem que ficarão impunes.

Bullying e a lei

Em novembro de 2015, foi sancionada a Lei 13.185, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), classificando-o como “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”. O objetivo é a promoção, a conscientização, a prevenção e o combate a esse mal.

Embora a Lei 13.185 não estabeleça pena para a prática, ações que rodeiam o bullying podem ser criminosas, como a ameaça e a lesão corporal. Porém, menores de idade, conforme explica a advogada Thalita Arcanjo, não respondem por crime, mas por ato infracional. “Sendo assim, o que pode haver é uma medida de internação por no máximo três anos”, conta ela.

No caso dos pais, segundo a advogada, eles têm o dever constitucional de assistir os filhos. E, em alguns casos, como de uma chacina em que um menor usa uma arma dos responsáveis, estes podem ser responsabilizados por omissão de cautela, que é “quando não se impede que pessoa menor de 18 anos ou com deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou propriedade”. “É muito importante que os pais supervisionem seus filhos”, finaliza a advogada.