Saúde
Cautela é crucial diante de testes genéticos de predisposição de doenças
Os avanços da medicina moderna possibilitam que mais pessoas tenham acesso a novos procedimentos que prometem favorecer a prevenção e o tratamento de diversas doenças. Entre essas inovações, que vão se tornando pouco a pouco mais acessíveis e populares, estão os exames genéticos, capazes de indicar a predisposição de uma pessoa para determinadas condições de saúde. Foi por meio de um teste assim que o ator Chris Hemsworth, conhecido por seus papéis em filmes de grande sucesso, como “Thor”, da Marvel, descobriu possuir mutações genéticas associadas à doença de Alzheimer.
A descoberta da propensão para o desenvolvimento do transtorno neurodegenerativo progressivo e incurável – que se manifesta pela deterioração cognitiva e da memória, pelo comprometimento progressivo das atividades de vida diária e por uma variedade de sintomas neuropsiquiátricos e de alterações comportamentais – levou o ator a decidir desacelerar a própria carreira. Conforme noticiou a imprensa norte-americana, ele deve continuar com seus projetos confirmados e depois se afastar de Hollywood.
A reboque de toda a repercussão que a história gerou, discussões antes mais restritas a cientistas e profissionais da saúde ganharam tração, também, fora desses círculos profissionais, à medida que pessoas leigas também passaram a questionar até que ponto essa tecnologia poderia ser benéfica para o indivíduo e refletir sobre qual a melhor abordagem para lidar com a descoberta da predisposição genética para uma doença, especialmente para aquelas que são fatais e cuja cura é ainda desconhecida, como o Alzheimer.
Simone de Paula Pessoa Lima, geriatra da Saúde no Lar, celebra que o assunto passe a ser debatido mais amplamente. “É uma oportunidade, inclusive, para falarmos de mitos e verdades sobre os testes genéticos, que estão cada vez mais populares”, comenta.
A opinião é compartilhada por Betânia Pena, do núcleo de genética médica do Laboratório Gene. “Esse é um campo muito novo, ainda desconhecido pela maioria da população. Nesse sentido, a primeira coisa que precisamos alertar é que esses exames não são diagnósticos e também não são sentenças”, resume ela, ao que Simone complementa explicando que os genes podem, sim, indicar uma predisposição para uma certa doença, “mas isso não significa necessariamente que aquela pessoa vai mesmo desenvolvê-la. Afinal, existem muitos outros fatores que podem influenciar o surgimento daquela condição, incluindo estilo de vida e aspectos ambientais”, informa.
A geriatra ainda reconhece que, entre outras coisas, os exames genéticos conseguem analisar variações em nosso DNA que podem estar associadas a doenças genéticas hereditárias ou a um maior risco de desenvolvimento de doenças comuns, como o câncer e o próprio Alzheimer. “Mas, apesar de serem mais uma potencial ferramenta para a prevenção e tratamento precoce de algumas doenças, eles também podem gerar ansiedade, estresse e até mesmo limitações para a vida das pessoas”, comenta.
É por conta da dificuldade de interpretação desses testes que o Laboratório Gene deixou de realizar esse tipo de serviço quando não há pedido médico, como explica Betânia. “É muito comum que haja uma leitura equivocada, levando a pessoa a tomar uma série de iniciativas, mudando a própria vida quando, na verdade, não havia razão para esse tipo de atitude”, sinaliza.
Mudanças
Lembrando que não está falando de um caso específico, Simone de Paula Pessoa Lima ressalta que a decisão de se afastar de uma carreira bem-sucedida e gratificante pode ter um impacto significativo na vida de uma pessoa. Por outro lado, se aquela posição profissional era um fator de risco para o desenvolvimento daquela condição para a qual a pessoa está predisposta, implicando uma rotina pouco saudável, por exemplo, esses resultados podem ser um estímulo importante para a pessoa agir buscando mudança.
“O fundamental é que os indivíduos possam fazer escolhas informadas sobre sua saúde, mas também considerando o impacto emocional e psicológico de tais escolhas”, salienta. “Além disso, acredito que não devemos esperar o resultado de um exame para, então, ir atrás de ter uma vida mais sustentável. Essa deveria ser uma premissa”, destaca, voltando a citar que, mesmo pessoas sem predisposição genética para determinada doença podem desenvolvê-la – afinal, as doenças muitas vezes têm herança genética complexa e estão relacionadas a várias características do DNA, mas têm uma influência significativa de fatores ambientais e comportamentais.
Quando são indicados
Betânia Pena aponta que os exames genéticos podem ser benéficos quando utilizados de forma correta e consciente, uma vez que permitem a identificação precoce de condições de saúde, podendo ajudar na tomada de decisões importantes, como a escolha de um tratamento preventivo ou a mudança de hábitos de vida que possam reduzir o risco de desenvolvimento da doença.
Esse tipo de exame é considerado uma ferramenta valiosa em oncologia, por exemplo, pois ajudam a identificar pacientes com perfis genéticos predispondo-os a certos tipos de câncer. Ao personalizar o monitoramento do câncer, as chances de detectar e tratar o câncer em estágios iniciais são maiores. Nesses casos, o teste genético pode indicar que certos tratamentos só funcionarão se uma mutação específica estiver presente – possibilitando, portanto, a adoção de estratégias de tratamento mais assertivas. Mas, mesmo nessa seara, o exame não é universalmente recomendado. “Entre todos os casos de câncer de mama, por exemplo, só cerca de 5% têm origem genética. Então, não faria sentido adotar essa ferramenta para a prevenção desse tipo de acometimento”, pontua.
A profissional ainda destaca que, diante do resultado, que nunca deve ser lido como uma sentença, cada pessoa deve decidir, em conjunto com um profissional de saúde, qual é a melhor forma de utilizar essa informação genética. “Essa modalidade de oferecer o teste diretamente para o consumidor, como muitas empresas fazem, está longe de ser o ideal nesses casos”, critica, fazendo menção ao fato de esses exames serem frequentemente obtidos de fontes online impessoais, sem orientação, enquanto aconselhamento médico seria fundamental para a correta interpretação das informações, colocando os resultados em perspectiva.