BACK
Esta postagem menciona a COVID-19.

Esta postagem pode conter referências à COVID-19

Para obter acesso a informações oficiais sobre o coronavírus acesse o site do Ministério da Saúde.

Saúde

COVID e saúde mental

Os primeiros pacientes que vieram ao meu consultório no início da pandemia, em março de 2020, estavam divididas em torno do que sentiam sobre o novo vírus chinês.

Algumas acreditavam que era o anúncio de uma nova era pelas possíveis restrições sociais e sanitárias que viriam. Outras pensavam que não passariam de mais uma moléstia parecida com as gripes sazonais. Contudo, nenhum grupo de pacientes entendia os efeitos que a doença traria às emoções.

A covid é também uma doença psicossocial. Carregada de componentes de medo, potencializadora da ansiedade e estimulante dos comportamentos depressivos, a covid é uma doença com um impacto emocional ainda incompreendido.

Click to continue reading

A quarentena, as restrições à circulação e, por vezes, a paranoia de contaminação, alteram drasticamente a capacidade da interação social. Mesmo com todos recursos informáticos disponíveis nenhuma tecnologia soube ser capaz de suprir as experiências presenciais.

Toque, pele, calor e abraços não se reproduzem pela Internet (ainda). Até mesmo as aulas por meio de plataformas digitais se demonstram insuficientes pois o processo de ensino e aprendizagem é antes de tudo um fenômeno afetivo e relacional, para além de intelectual.

Por atender pacientes de diversas partes do mundo tenho o privilégio de estabelecer comparações comportamentais em torno das diferentes reações das pessoas frente à pandemia.

Na Europa, de um modo geral, os pacientes se dizem ansiosos pelos sucessivos decretos restritivos da circulação, porém esperançosos diante das tutelas estatais. São pacientes que raramente experimentam saturação do sistema de saúde e, por isso, apresentam quadros depressivos relacionados ao confinamento doméstico, mas relativamente baixa incidência de comportamentos ansiosos em decorrência das incertezas epidemiológicas.

Na África e na América Latina, meus pacientes manifestam imenso negacionismo sobre a letalidade da doença, o que sugere-me um esperado mecanismo de defesa emocional que estaria a proteger um bem maior: a própria vida. As restrições de circulação e de atividade estatal, impostas naqueles continentes, sem a devida contrapartida estatal, provocam um conflito emocional diverso naqueles pacientes. Oscilações de humor são marca de uma realidade marcada pela oscilação imprevisível nas políticas sanitárias públicas.

Meus pacientes nos Estados Unidos, demonstram uma mistura dos comportamentos evidenciados nos pacientes latino-americanos e europeus. Os componentes multiculturais históricos dos Estados Unidos, associados à recente polarização política naquele país se expressam por meio de comportamento dissociados da realidade (como o negacionismo) e carregados de irritabilidade. Manejar a crescente irritabilidade é um desafio constante para o planejamento de saídas emocionais ao dilema imposto pela pandemia à dinâmica típica da cultura e cotidiano americanos.

Contudo, apesar das diferenças comportamentais que observo nestes três grupos de pacientes, há algo que é comum: o isolamento crescente dos adolescentes.

Os adolescentes, especialmente em decorrência dos confinamentos, tem se mantido em atividades escolares à distância, por meio de plataformas digitais de ensino. Tais plataformas são apenas uma extensão da imagem e sons dos professores ou de conteúdos digitais. Não conseguem ensinar habilidades emocionais porque não podem oferecer genuíno convívio social.

Aprendemos nesta pandemia, e nossos adolescentes estão a aprender com muita dor, que os meios informáticos estão longe de suprir o que só a vida real pode oferecer.

Um vírus real, uma pandemia em parte virtual, efeitos letais, aos corpos e às emoções.

Curar será muito mais que produzir vacinas.

Até lá, ou enquanto isso, aprendemos novamente o que é conviver em família, dentro do que se pode chamar de o novo normal.

Dr. Márcio Moraes

e-mail: [email protected]

Psicólgo e Hipnoterapeuta com 20 anos de experiência.

Membro:

Associação Americana de Psicologia

Conselho Federal de Psicologia do Brasil

Ordem dos Psicólogos Portugueses

Federação Europeia das Associações de Psicólogos