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Opinião

De um paulistano à ex-assessora militante que ofendeu São Paulo

Por Mario Sabino

Sou paulistano. Por uma série de circunstâncias históricas (algumas louváveis, outras nem um pouco), inclusive as que lhe são alheias, São Paulo é o estado mais rico do Brasil, assim como a sua capital homônima é a cidade mais rica do país. Nós, paulistas paulistanos, só percebemos a quantidade de opções — de educação, de emprego, de serviços, de hospitais de ponta, de consumo, de gastronomia, de cultura —que a cidade oferece, quando visitamos outra cidade brasileira. Também só percebemos que São Paulo está muito longe de ser Paris, Londres ou Nova York nesses e outros quesitos, com exceção da gastronomia e dos serviços, quando estamos em Paris, Londres ou Nova York.

Antes que a chusma dos suspeitos de sempre venha me esfregar na cara a pobreza da periferia de São Paulo, do centro abandonado, do trânsito enlouquecedor, da criminalidade, das deficiências nas redes públicas de qualquer coisa, já reconheço: São Paulo faz parte do Brasil no que ele tem de pior. Mas o Brasil ainda não tem de São Paulo o que ela, a cidade, tem de melhor.

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É constatação, sem bairrismo, sem chauvinismo. O turismo de negócios e o hospitalar agora se completam com o turismo de fim de semana e o de férias. A quantidade de brasileiros de outros lugares do país que toma os restaurantes, as ruas de comércio e os shoppings da cidade é crescente. O pessoal do agro e ricaços de outras latitudes produtivas vêm gastar rios de dinheiro aqui. O número de cariocas que se estabeleceu em São Paulo, em busca de oportunidade para trabalhar, também impressiona. A de mineiros idem. A de sulista, ibidem. Sucederam os nordestinos (estou sendo hiperbólico).

Como a cidade é rica, muitos brasileiros acham que todo paulistano — ou paulista, como somos chamados, simples e indistintamente, nos diversos estados — também é. Acreditam, causa e consequência em mais um silogismo falso, que paulistano é necessariamente besta e gosta de bancar ser superior. Como São Paulo recebeu imigrantes europeus em massa pantagruélica, fixou-se ainda o estereótipo do paulistano branco, esnobe e racista. É uma bobagem caudalosa que afoga o truísmo: São Paulo é um cadinho de cidadãos de múltiplas etnias, de todas as classes sociais, e as suas proporções nas qualidades e defeitos humanos não são diferentes das de outras populações brasileiras.

Se as generalizações e os clichês antipáticos já existiam, eles foram amplificados por esses curiosos antirracistas racistas e xenófobos que passaram a habitar o noticiário — e que se servem de um conceito inexistente do ponto de vista científico, para fazer proselitismo e faturar algum dinheiro.

O conceito é o de raça. Características exteriores diferentes não são suficientes para determinar que a espécie humana é dividida geneticamente em raças. A ciência prova que somos mais iguais entre nós do que os chimpanzés entre eles, independentemente da nossa cor da pele ou das nossas origens nacionais ou regionais.

Quem inventou essa conversa de raça foram justamente os racistas, como o francês Joseph Arthur de Gobineau, autor de um livro estúpido intitulado Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas, lançado no longínquo 1858, concebido para engendrar “cientificamente” o mito da supremacia branca. Se é para combater o racismo, o Ministério da Igualdade Racial deveria ser o da Igualdade Humana.

O conceito de raça é ideológico e, assim, tentam aboli-lo da Constituição francesa, por exemplo, no seu artigo primeiro, que define os valores fundamentais da nação. A ideia é que a nova redação assegure “a igualdade perante a lei de todos os cidadãos sem distinção de sexo, de origem ou de religião”, em lugar de “sem distinção de origem, de raça ou de religião”. Na atual versão, sobra a raça e falta o sexo. Na Constituição brasileira, sobra raça, mas não falta o sexo (inclusive com a própria).

Faço essas considerações para emoldurar o caso da assessora militante do Ministério da Igualdade Racial — ex-assessora, visto ter sido demitida — que ofendeu não apenas a torcida do São Paulo Futebol Clube, mas os paulistas e paulistanos. O verbo certo é este: ofender. Não “criticar”, como saiu publicado na imprensa.

Ela veio assistir ao jogo do time contra o Flamengo, a bordo de dinheiro público indevidamente gasto, como é próprio dos esquerdistas que anseiam salvar a humanidade. Sentindo-se poderosa e absoluta, talvez também por ter viajado em jato da FAB, acompanhada da chefe ministra, portanto acima dos demais mortais que se apertam em avião comercial, a moça postou uma foto de são-paulinos no Instagram, com uma legenda de sintaxe revoltante e linguagem ensandecidamente neutra, com o perdão do advérbio redundante, na qual dizia: “Torcida branca, que não canta, descendente de europeu safade… Pior tudo de pauliste”.

Diante da reação a essa injúria de cunho racista feita por uma servidora sua, o Ministério da Igualdade Racial (as contradições do governo Lula são estupefacientes) afirmou inicialmente que iria apurar o desatino da servidora, “ainda que as postagens tenham sido feitas em momento de descontração, fora dos ritos institucionais e de tom informal”. A observação é tão mais pitoresca porque o pretexto usado pela ministra para vir assistir a um jogo de futebol refestelada em avião da FAB, juntamente com assessoras, foi institucional: assinar um convênio com a CBF.

A única saída aceitável era a demissão sumária, e assim foi feito, a despeito da descontração e da informalidade. A questão é que a assessora — ex-assessora — é uma legião. O necessário combate ao racismo, aos preconceitos, à xenofobia, está sendo distorcido, e essa distorção cristaliza ressentimentos que se manifestam na forma de declarações e atitudes racistas, preconceituosas ou xenófobas. É o sono da razão tanto na Pauliceia Desvairada como fora dela. É o que tem a dizer este paulistano aqui, com total desapreço e muita descontração, à ex-assessora militante que ofendeu São Paulo.

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