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Política

TSE deu aos militares o que Bolsonaro queria: as chaves para o passado

De tanto Jair Bolsonaro martelar, eram favas contadas que Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, concederia em parte aos apelos das Forças Armadas para terem mais protagonismo durante o processo de votação.

Era uma forma de ceder os anéis para não perder as mãos, e tirar de cena o argumento onipresente do bolsonarismo segundo o qual quem não deve não teme.

Para esfriar os ânimos, é possível que o xerife das eleições, chamado de vagabundo pelo presidente há poucos dias, tenha dado um pouco mais do que os dedos.

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Integrantes das Forças serão convocados para atuar em seções eleitorais de todo o país para tirar e enviar fotos do QR Code dos boletins de 385 urnas em tempo real. Os dados serão encaminhados ao Comando da Defesa Cibernética do Exército.

A ideia é que a contagem dê às Forças Armadas o poder de chancelar ou não o resultado das urnas no mesmo dia. Qualquer agulha que alguém disser ter encontrado ali será o suficiente para trancar todo o processo.

Desde a redemocratização, essa é a primeira vez que as seções eleitorais serão ocupadas por militares, um precedente que evoca os tempos em que as Forças Armadas decidiam sozinhos os rumos políticos do país em nome da democracia. Encontre aí a contradição.

Da última vez que os militares entraram em campo, com o argumento de que a vida pública nacional corria riscos e deveria ser tutelada, os brasileiros levaram 21 anos para votar a presidente novamente.

Tecnicamente, pode ser que a medida aceita por Moraes não dê margem para suspeitas e que os militares tenham acesso apenas ao que qualquer cidadão já teria se assim fosse requisitado. Puro chute.

Mas o acordo é preocupante por diversas razões.

A primeira delas é a mais óbvia: as eleições não deveriam ser preocupação das Forças Armadas assim como o controle das fronteiras do Brasil não deveriam ser preocupação de juízes eleitorais. A confusão dos papéis não tem como acabar bem.

Essa sinalização já seria alarmante em qualquer situação.

Fica ainda maior tendo como presidente da República um incendiário trabalhado na teoria da conspiração que não faz outra coisa se não colocar o processo de votação em dúvida permanente.

O sistema eletrônico não era um problema, nem para as Forças Armadas, nem para o atual presidente, quando eles estavam no poder. Foi por meio dele, aliás, que a família Bolsonaro se elegeu, para diversos cargos eletivos, desde 1996.

Mas virou alvo de questionamentos no momento em que Bolsonaro, atrás nas pesquisas de intenção de voto, corre o sério risco de entregar o cargo e encerrar um mandato altamente militarizado, com a instalação de generais em postos-chave e uma série de benefícios, entre salários e aposentadoria especial.

Pior: pensando que poderia agradar gregos e troianos, Luís Roberto Barroso, antigo chefe do TSE, resolveu convidar as Forças Armadas para integrar a comissão de Transparência das Eleições em meados do ano passado.

Bolsonaro, o comandante-em-chefe dos militares, achou que o convite se estendia a ele e desde então tem reivindicado o papel de juiz e participante de uma partida em que já está em campo.

Ao menos um dos escolhidos para a comissão precisou ser afastado por, a exemplo do capitão, espalhar em suas redes as teorias mais conspiratórias a respeito das urnas eletrônicas.

É como aceitar que um juiz apure os fatos após promulgar sua sentença prévias fora dos autos.

Alexandre de Moraes precisa vir a público explicar o que moveu o tal acordo.

Até lá, o que se tem é um clima de desconfiança permanente: não são poucos os apoiadores de Bolsonaro que, bombardeados diariamente pelo presidente, realmente acreditam que as urnas podem ser fraudadas para eleger Lula a qualquer momento.

E agora não são poucos os que veem com desconfiança um protagonismo militar que não acontecia desde a ditadura.

Por onde se olha, sobram paranoias, justificáveis ou não.

É o campo propício para arruaças. Ela está sendo espalhada com pás, pedras e acordos de bastidores mal explicados.