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Governo Bolsonaro é 'estado de golpe', afirma historiadora Lilia Schwarcz
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Governo Bolsonaro é 'estado de golpe', afirma historiadora Lilia Schwarcz

Em entrevista à Pública, Schwarcz, autora de vasta obra sobre a história do Brasil, expõe as raízes autoritárias, machistas e racistas de nossa sociedade

Opinião

Mesmo sem ter dado um golpe de estado, as ações autoritárias de Bolsonaro estão aos poucos corroendo a Constituição e a democracia. É o que afirma a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz, autora de uma série de livros sobre a história e a cultura do país, entre os quais Sobre o autoritarismo brasileiro (2019) e Brasil: uma biografia (2015).

“Um presidente que não segue a Organização Mundial da Saúde e prefere criar fatos falsos, que resolve vender para a população a ideia de que um remédio que não é apoiado pelas pesquisas médicas e científicas resolveria o problema dos brasileiros, é um presidente autoritário. E um presidente que fala em liberdade de expressão, quando, na verdade, mentira não é liberdade de expressão”, pontua a professora da Universidade de São Paulo.

Em entrevista exclusiva à Agência Pública, por indicação dos Aliados – nosso grupo de leitores/apoiadores -, que também enviaram perguntas, Schwarcz diz que também vê com preocupação a presença maciça de militares do governo. “Nosso primeiro presidente, Deodoro da Fonseca, foi um militar, o segundo, Floriano Peixoto, também. O Exército foi construindo lentamente essa ideia de “salvadores da nação”, mas quando a gente vê o Exército atuando, não é isso que acontece. Os anos da ditadura militar não foram anos bons para o Brasil, tivemos uma inflação galopante, vários problemas de corrupção. Essa imagem dos militares como um setor muito racional não confere com nenhum momento em que eles estiveram no poder.”

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Além de relacionar o Brasil do presente com sua história, Schwarcz ressalta a necessidade de construir uma memória indígena, negra e ribeirinha, pois estas experiências não são contempladas na memória das pessoas brancas, que é dominante no país. Ela também reafirma que se precipitou ao criticar o novo álbum da diva Beyoncé em um texto recente, que a tornou alvo de fortes críticas nas redes sociais. “Eu quero viver em um país em que a gente pode errar e sair melhor do erro,” diz.

Na sua obra você afirma que o autoritarismo está na essência do Brasil, ou seja, está nos governos autoritários mas no povo também. Quais são as origens disso?

Quando eu escrevi o livro Sobre o autoritarismo brasileiro, foi uma reação imediata à eleição de 2018. Eu anuncio na introdução dois pressupostos básicos: o primeiro é que o nosso presente está lotado de passado e, o segundo, é que, para quem se espantava muito com o resultado das eleições de 2018, o livro ia mostrar como nós sempre fomos autoritários. Claro que existe um contexto global de eleição de vários governos de matriz autoritária, populistas e retrógrados, até, que também explica a eleição de Jair Bolsonaro. Mas eu estava muito interessada em entender as nossas raízes.

A primeira raiz é a escravidão, que é a grande contradição da história e da sociedade brasileira, na minha opinião. Porque a escravidão criou uma sociedade que naturalizou o [poder de] mando, e mais ainda, naturalizou a prática do mando por poucas pessoas. Claro que nós sabemos que os escravizados reagiram sempre, desde que existia escravidão existiam quilombos. Mas, esse é um modelo que naturaliza a posse de uma pessoa por outra. É um modelo altamente autoritário, porque, inclusive, não concede ao outro nem o estatuto de humano, o outro é uma propriedade que eu posso leiloar, penhorar, torturar. A escravidão, que era mais que um sistema de trabalho, virou uma linguagem violenta com várias consequências.

O outro lado do nosso autoritarismo é a nossa própria estrutura colonial. A América Portuguesa era um território muito grande para uma metrópole pequenina. A saída foi a distribuição de grandes lotes de terra, que seriam dominados, mais uma vez, por poucos mandatários. Na minha concepção, o senhor da época da Colônia se transformou no nobre do café na época do Império, no coronel na época da Primeira República, e isso explica como em 2018 os brasileiros elegeram a maior “bancada dos parentes” [famílias que se perpetuam no poder por gerações]. Estamos falando de uma situação reiterada e que se pauta em um sistema violento.

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