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Como explicar para um estrangeiro o fanatismo do brasileiro pela Copa do Mundo?
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Como explicar para um estrangeiro o fanatismo do brasileiro pela Copa do Mundo?

Com país mobilizado, pessoas que vêm de fora muitas vezes não entendem lojas e escritórios fechando em horário comercial

Social & Lifestyle

A seleção brasileira entra em campo nesta sexta-feira (2) para o último jogo da fase de grupos da Copa do Mundo, quando enfrentará Camarões, às 16h. Uma hora antes, grande parte dos escritórios serão fechados, as lojas de ruas baixarão as portas e as escolas mandarão todos os alunos para casa.

Nada fora do comum para quem nasceu no Brasil e vê isto acontecendo de quatro em quatro anos desde pequeno, mas e para quem é estrangeiro? Certamente, essa mobilização nacional em pleno horário comercial de um dia útil pode ser bem estranha.

A jornalista Samantha Pearson, correspondente do The Wall Street Journal, inclusive, foi uma das “vítimas” dos horários adaptados aos jogos da seleção brasileira na Copa do Mundo no Catar.

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“A escola do meu filho aqui no Brasil está mandando os alunos para casa duas horas antes de cada jogo do Brasil na Copa do Mundo para que os funcionários possam ver as partidas. Agora vou torcer para uma eliminação rápida da seleção [brasileira].”

A britânica, que usou o Twitter para desabafar sobre a realidade do país durante a copa, foi prontamente criticada por internautas. Alguns citaram até o velório da rainha Elizabeth 2ª, que basicamente parou o Reino Unido, nação da jornalista, durante dez dias.

Após toda a repercussão, Pearson disse que era brincadeira o desabafo e que torcerá para o Brasil durante a Copa do Mundo. Mas para quem acredita que a jornalista é um caso à parte, saiba que outros estrangeiros também se espantam com a dinâmica brasileira durante o mês do torneio.

A governanta corporativa Margot Poustis, que trabalha em uma multinacional, confessou espanto ao se deparar com os horários adequados de acordo com as partidas do país. Segundo ela, isso seria inimaginável na França.

“Para ser sincera, estranho um pouco pois até na minha empresa multinacional criamos uma política que possibilita não trabalhar nas horas de jogo do Brasil. Isso, por exemplo, seria simplesmente impensável na França. Por um lado, fico feliz em ver o ânimo geral nas ruas, mas não deixo de estranhar”, disse Margot ao R7.

O professor de relações internacionais da PUC-MG Vinicius Tavares ressalta que, na verdade, o Brasil não para por completo durante as partidas da seleção.

“Se o Brasil parasse, as polícias militares e civis não estariam fazendo seus serviços, os médicos dos hospitais, os trabalhadores de transporte... Então tem muita gente que não para. Na verdade, uma boa parte das pessoas não para”, conta Tavares ao R7.

E não é só no Brasil que esse tipo de situação ocorre. Na Índia e Paquistão, por exemplo, é a Copa do Mundo de Críquete que tem toda a atenção do país. Já nos Estados Unidos, a decisão da liga de futebol americano — o Super Bowl —, é o centro da atenção nacional, mas com uma grande diferença: a final, assim como a maioria dos jogos da NFL, não acontecem em dias úteis.

“O domingo do Super Bowl para o país. É uma das maiores audiências da televisão aberta”, conta o professor da PUC-MG. “O domingo para o futebol americano virou o lugar de parar os Estados Unidos, só que ninguém discute porque é no final de semana. Se fosse uma segunda-feira, era uma outra situação”.

O fanatismo brasileiro pelo futebol, materializado nos 30 dias de Copa do Mundo, não começou há dez, 20 ou 30 anos. Precisamos voltar no tempo, mais precisamente, para a década de 1930 e o Estado Novo de Getúlio Vargas. É nessa época que são realizadas as primeiras edições do torneio, assim como a popularização do esporte no país.

“O Estado Novo era marcado por um nacionalismo muito grande e isso se reflete no futebol. É exatamente esse momento que a gente começa a ver os estádios de massa, como o Pacaembu”, explica Tavares.

No mesmo período, o Brasil foi terceiro lugar na Copa do Mundo de 1938 e, no mundial seguinte, em 1950 (o torneio não foi realizado em 1942 e 1946 pela Segunda Guerra Mundial), amargou um vice-campeonato para o Uruguai na partida que viria a ficar conhecida como Maracanaço.

Após o trauma de 1950, não demorou muito tempo até que a seleção brasileira, liderada por Pelé e Garrincha, conquistasse consecutivamente as Copas do Mundo de 1958 e 1962, justamente no momento em que perpetuava entre a população do país o conhecido sentimento de viralatismo.

“’O Brasil não é bom para nada’, ‘O Brasil não serve de nada’, só que de repente o país ganha os mundiais de 1958 e 1962. Então como é que isso entra no imaginário nacional? A gente começa a se envolver e é exatamente nesse processo que outros estádios vão sendo construídos.”

É com este sentimento que os governos militares se apropriam do novo xodó nacional, o futebol, para passar a imagem de um país unido e vitorioso, quando, na verdade, parte da população lutava nas ruas para derrubar o regime que perdurou por 21 anos.

“Quando você fala de 90 milhões em ação, para frente Brasil e aquela corrente, parece que todo o Brasil deu as mãos. Mas espera aí: tinha gente sendo torturada nessa época, então não tinha todo mundo dando as mãos para uma mobilização”, ressalta Tavares sobre a música que embalou o país na Copa do Mundo de 1970 e o terceiro mundial da seleção.

Atualmente, política e futebol ainda se cruzam. Muito se discute nas redes sociais sobre algumas pessoas comemorarem a lesão de Neymar nesta Copa pelo apoio do jogador do PSG ao presidente Jair Bolsonaro durante a campanha presidencial, ou o carinho repentino por Richarlison após os dois gols contra a Sérvia, embasados também pelo apoio público do atacante à vacinação contra a Covid-19.

Portanto, o futebol para o brasileiro, e em especial a Copa do Mundo, acaba sendo uma das principais faces do povo, da cultura do país, e a cada edição do torneio fica mais difícil separar a história da nação dos 11 jogadores em campo vestidos de verde e amarelo.

“Fico animada de ver essa felicidade toda. Dá pra sentir que é algo muito central na vida do brasileiro e que todos estão acompanhando, se organizando para assistir os jogos na companhia de amigos ou familiares, etc. É bonito de ver”, conta Margot, que não revelou se torcerá para um tricampeonato da França ou o tão sonhado hexa brasileiro.

“Ninguém consegue ficar alheio [à Copa do Mundo] porque até a pessoa que odeia o futebol vai ter que se adequar. Porque se ela odeia o futebol e ela trabalha na empresa 'X', a empresa dela vai parar, se puder parar. Se ela tem um filho que está na aula, a escola vai mandar o filho cedo para casa”, conclui Tavares.