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Internacional

Devolver a vida à cidade-fantasma

Dez meses depois de ter sido recuperada pelo Azerbaijão à Arménia, a cidade de Susha procura reerguer-se da guerra de há um ano e tornar-se um centro cultural e turístico.

(Reportagem Expresso 17.09.21)

Para entrar em Susha é preciso desafiar uma estrada serpenteante, que termina no cume de uma montanha, e a barreira de segurança controlada por soldados azeris. O Azerbaijão assume, desde novembro de 2020, o controlo da segunda maior cidade do enclave de Nagorno-Karabakh, no Cáucaso, perdida na década de 90 para as forças apoiadas pela Arménia. Um acordo de paz negociado por Moscovo pôs fim ao mais recente conflito no ano passado, que se arrastou durante seis semanas e redefiniu as fronteiras da região.

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À entrada de Susha, a cerca de 15 quilómetros da capital e maior cidade de Nagorno-Karabakh — Stepanakert, que continua controlada pela Arménia —, a tensão ainda é evidente. O Expresso não foi autorizado a recolher imagens dos soldados azeris a escassos metros das forças de manutenção de paz russas, aliadas da Arménia. Ali em frente, uma rede de pouco mais de um metro de altura separa os dois lados. Entrando por fim na estratégica cidade, à primeira vista parece deserta. As marcas dos últimos confrontos estão visíveis nas fachadas dos edifícios. Janelas partidas, portas destruídas e as poucas cortinas abandonadas ao vento abrem caminho a quem chega, estrada abaixo, sem que se aviste uma única pessoa. Mais à frente, soldados quebram a solidão desta cidade-fantasma. É preciso percorrer alguns metros e virar numa rua à esquerda para encontrar o único hotel da cidade, erguido no espaço de meses. É o primeiro, mas outros estão em construção, como percebemos mais tarde.

Silêncio ensurdecedor

O edifício moderno destaca-se arquitetonicamente dos demais e as rosas vermelhas do jardim fazem esquecer por momentos os relatos de violência de que a cidade foi palco. É como se uma linha invisível dividisse Susha de um passado marcado por confrontos e o futuro, que o Azerbaijão acredita que vai ser de paz. Os gatos que se espreguiçam no terraço do hotel parecem adaptados à nova realidade. O burburinho dos poucos hóspedes contrasta com o silêncio ensurdecedor que domina a maioria das ruas da estratégica cidade, recuperada pelo Azerbaijão em novembro de 2020. Esse silêncio é interrompido pelos trabalhos de construção civil em diferentes pontos de Susha. Os trabalhadores que se encarregam de restaurar a imagem da segunda maior cidade do enclave, bem como os militares que cá se instalaram com as famílias, são os seus novos habitantes. O objetivo, garantem, é trazer outros mal haja condições.

A lista do que há por fazer é longa, mas a aposta em infraestruturas para transportes e produção de energia, ao longo dos últimos meses, mostra que Susha pode tornar-se, a médio prazo, a nova pérola turística de Nagorno-Karabakh. Hikmet Hajiyev, considerado o arquiteto da política externa do Azerbaijão, fala de um “plano estratégico para restaurar o prestígio e a influência que a cidade outrora teve”.

Danos em igrejas e mesquitas

Durante os confrontos foram destruídos vários monumentos religiosos, entre eles a Catedral de Cristo Salvador, conhecidapor Ghazanchetsots, considerada um símbolo para os cristãos arménios e cujas imagens correram mundo. Baku reconhece que durante os combates foram atingidas igrejas e mesquitas. “Não vou negar que no decurso da operação militar houve danos colaterais. Na altura apresentei desculpas, em nome do Governo, pelo que aconteceu na igreja em causa, que está a ser reabilitada com base na arquitetura original”, afirma Hajiyev. O responsável pela política externa acrescenta que o país “tem orgulho do seu multiculturalismo” e que “a destruição do legado cultural não faz parte da história do Azerbaijão”. Nesse sentido, o Executivo pretende “renovar e reconstruir todos os monumentos culturais e religiosos na região de Nagorno-Karabakh” e “fazer da cidade de Susha um centro cultural e turístico.” A fachada da Catedral de Ghazanchetsots está coberta por andaimes, cenário que se repete no interior. O buraco no teto do edifício desapareceu, a poeira foi limpa e os escombros removidos. (Toda a reportagem em www.expresso.pt)

(Foto LDP)